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Muito antes da internet existir, escritores e críticos literários usavam jornais e revistas como meio de circulação de novas ideias. As páginas quase artesanalmente impressas esquentavam o debate crítico e faziam circular novas obras de ficção. Tal ambiente pode conviver pacificamente com a internet por um tempo, mas desde os anos 2000 o mundo impresso vem sofrendo golpes que são aparentemente irreversíveis.
Para não soar muito apocalíptico levo em consideração o seguinte fato: com a internet aconteceu uma espécie de retorno a maneira artesanal de fazer jornalismo. As revistas mais bacanas de hoje se alimentam de fontes do passado - estou pensando, por exemplo, na
Piauí e no caderno
Ilustríssima que fogem um pouco da pauta do momento, propõe novas pautas etc. Aponto algumas razões simples para essa tendência: havia liberdade de espaço (os textos não precisavam ter um tamanho determinado), ninguém ficava refém da pauta do momento, havia tempo para pensar numa agenda, o processo era "artesanal" (sem muitos esquemas, fórmulas ou formatos) e o texto era muito importante.
Para não ficar somente no terreno das ideias, comentários, opiniões e impressões fiz um levantamento de algumas revistas literárias (ou quase literárias) que foram importantes na história da imprensa brasileira. Na verdade, aproveitei o ensejo para incluir algumas revistas "marginais" que ecoam o espírito do "jornalismo" artesanal - queria dizer "diferenciado" só que o termo não pega muito bem.
De verdade, comecei a pensar nesse assunto depois que fiquei sabendo que o Arquivo Público do Estado de São Paulo está com um projeto chamado "
Memória da Imprensa". Uma parte do acervo foi digitalizada e está disponível na internet para consulta. O material se concentra em publicações de São Paulo, tem jornais e revistas do século 19 e 20 divididos por temas como política e cultura. Vale a pena perder um pouco de tempo vasculhando o acervo e encontrar algumas raridades como contos de Eça de Queiroz, homenagem ao escritor Raul Pompéia, críticas ao livro
Dom Casmurro. É uma verdadeira volta ao passado.
Não está no Arquivo do Estado (mas está no setor de raridades da Biblioteca Mário de Andrade e na
Brasiliana USP) as duas revistas mais badaladas da Semana de 22: a
Revista de Antropofagia que circulou no ano de 1929 tendo Oswald de Andrade, Mário de Andrade junto com a nata do Modernismo brasileiro; e a
Revista Klaxon que circulou entre 1922 e 1923 contando com a colaboração de grande parte do mesmo pessoal da
Antropofagia.
Nos anos 30, no Rio de Janeiro, a efervescência literária acontecia por meio de duas revistas:
Dom Casmurro (circulou entre 1937 e 1944) que teve entre seus colaboradores Joel Silveira e muitos escritores da segunda fase do Modernismo - Jorge Amado foi chefe de redação da revista; e a concorrente
Revista Acadêmica, de Carlos Lacerda e Murilo Miranda.
De volta a São Paulo, entre os anos 1941 e 1944, a crítica paulistana foi privilegiada pela
Revista Clima. Tinha um ar acadêmico pois foi fundada por ilustres estudantes da USP como Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Antonio Cândido, Rui Coelho, Gilda de Mello e Souza e Lourival Gomes Machado.
Saltando um pouco as décadas, vale lembrar do mítico semanário
Pasquim - que teve uma antologia em três volumes editada recentemente pela
Desiderata. Ali surgiu os textos soltos, as entrevistas sem corte, o bom humor, as ilustrações chapadas, os assuntos tabu para uma época em que ninguém devia falar a respeito e tantas outras coisas. Foi também nesse semanário que a intelectualidade brasileira apareceu fazendo resistência ao regime militar e a censura. Também descobri recentemente o
Jornal EX graças uma edição fac similar da
Imprensa Oficial. O jornal era mensal, foi publicado entre 1973 e 1975, e tinha um tom altamente provocador e inventivo. Outra revista dessa mesma época, recuperada pela Elvira Vigna, foi a
Revista Pomba. Acho que não foi tão conhecida como as outras, mas tinha uma linha de pensamento bem parecida.
Para finalizar, uma revista bacana de Porto Alegre chamada
Revista 80, inspirada na Granta, editada pelo pessoal da LPM. A história da está no blog da editora contada por Ivan Pinheiro Machado.
Devo ter lembrado de um período áureo da imprensa brasileira que não deve voltar. Pode parecer um pouco de saudosismo, mas não é. Olhando para essa tradição a gente pode recolher informações e boas ideias que apontem alternativas para a crítica, para a imprensa, para os blogs e para todo mundo que deseja sobreviver a era da internet (da diluição da informação e todas essas coisas que a gente está careca de ouvir). Também acho importante conhecer esse passado para não sair por aí achando que está fazendo alguma coisa nova sem saber que muita coisa realmente já aconteceu.
Com certeza, muitas revistas ficaram de fora. Se alguém sentir falta ou lembrar de alguma coisa, pode me avisar que faça as atualizações.
*Imagem: reprodução.
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QUEM LÊ TANTA REVISTA?