segunda-feira, 31 de março de 2014

PROSA DE FICÇÃO BRASILEIRA EM 1964


Dan Brown e Rick Riordan nasceram em junho de 1964 e por serem recém-nascidos não tinham como saber o que se passava no Brasil, um longínquo país da América do Sul. Eles tão pouco podiam imaginar que anos mais tarde seriam dois dos maiores best-sellers da literatura "de aventura", vamos dizer assim. O fato é que em 1º de abril daquele ano, as Forças Armadas do Brasil tomaram o poder e instalaram no país o regime militar - ou ditadura militar - que durou por vinte e um anos. Foi um período obscuro para as liberdades individuais (houve censura brava aos meios de comunicação, repressão, exílio e tortura para pessoas opostas aos ideais do regime etc.), mas bastante iluminado para a cultura brasileira e para a nossa literatura, especialmente.

Naquele ano de 64, enquanto Jean-Paul Sartre ganhava o Prêmio Nobel de Literatura* e Saul Bellow publicava Herzog**, as editoras Civilização Brasileira, José Olympio, Martins e Editora do Autor eram responsáveis por alimentar as livrarias com uma enxurrada de livros de ficção. Essa produção era absorvida pela crítica em revistas, jornais e suplementos culturais que serviam como parâmetro para os leitores decidirem o que era interessante ou não (foi um período áureo porque tínhamos a revista Senhor, a Revista Civilização Brasileira, o suplemento literário do Jornal do Brasil etc.).

Infelizmente, dados sobre as tiragens e a quantidade de exemplares vendidos que poderiam apontar a circulação da nossa literatura entre os nossos leitores dependeria de uma pesquisa mais aprofundada e não consegui encontrar muita coisa. Considerando alguns dados do IBGE, não éramos um país de muitos leitores (há quem considere que não somos até hoje), pois a taxa de analfabetismo no Brasil na década de 60 era de 40,233% (faixa de pessoas com 15 anos e mais), ou seja, quase metade da população era incapaz de ler. Assim, a literatura brasileira era algo restrito a classe média que tinha dinheiro para consumir e aos círculos estudantis - trocando em miúdos, era coisa de intelectual. Embora a palavra "intelectual" soe pejorativa, vale dizer que durante todo o regime militar (sobretudo até 1968 quando acontece o AI-5) os intelectuais assumiram um papel central no debate político e na mobilização contra a repressão/censura uma vez que a cultura era o único espaço possível para exercício da liberdade.

A prosa de ficção brasileira publicada naquele ano não refletia diretamente o espírito de chumbo dos anos que viriam. Talvez esse papel estivesse reservado à crônica do período que saia diariamente nos jornais, sobretudo no trabalho de Carlos Heitor Cony cujo ponto alto de combate direto ao regime está em O ato e o fato, publicado naquele ano no calor da hora***. Olhando para um conjunto delimitado de lançamentos do ano de 1964 e sob um ponto de vista muito particular (o meu) considero que vivíamos um grande momento de experimentação formal do romance capaz de garantir a nossa literatura uma qualidade de alto nível - vide a prosa de introspecção de Autran Dourado, Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles, o nonsense humorístico de Campos de Carvalho e o jogo linguístico de Guimarães Rosa. Na outra ponta, também tínhamos a força da literatura regional com caráter de denúncia - vide Jorge Amado e José Cândido de Carvalho. No meio de campo tínhamos os contos enxutos e inventivos de Dalton Trevisan - vale registrar que Rubem Fonseca tinha acabado de publicar seu livro de estreia Os prisioneiros (1963).

Embora esse conjunto de obras seja primoroso houve uma divisão de opiniões em relação às mudanças que a literatura sofreu por conta do regime militar. Uma parte da crítica e da turma intelectual engajada classificava os romances psicológicos como alienados porque não tomavam partido da realidade social do país contra a política vigente. Já os romances realistas daquele ano pareciam demasiado alegóricos para o radicalismo político e a indignação com o estado das coisas. Foi com o endurecimento do regime nos anos pós-64, fechando editoras, caçando seus editores e proibindo a publicação de livros que nossa ficção pode absorver melhor a situação.

Um relato fidedigno, embora impregnado pelo espírito e pelo momento em que foi escrito, está no artigo “Prosa brasileira em 1964: balanço literário”, de Nelson Werneck Sodré (saiu na Revista Civilização Brasileira I, em março de 1965). O tom é melancólico. O autor diz que golpe foi responsável por interromper boas traduções de autores estrangeiros que estavam em curso e a publicação de prosa de autores brasileiros foi pobre - o artigo termina com a frase "Fizemos pouco ou fizemos muito, em 1964. Fizemos o que era possível". O destaque daquele ano fica por conta da crônica, sobretudo de cunho político, e do ensaio, um gênero que ganhava muito fôlego naquele momento.

Dito isso, fiz um levantamento informal e consegui encontrar uma lista com onze livros de prosa de ficção brasileira daquele ano. Certamente algumas coisas ficaram de fora. Tomei por base os nomes que ainda permanecem nas seleções da crítica e do cânone acadêmico. Se alguém se lembrar de outros livros, por favor, escrevam nos comentários.

O púcaro búlgaro
Campos de Carvalho
Civilização Brasileira







Verão no aquário
Lygia Fagundes Telles
Editora Martins









Manuelzão e Miguilim (Corpo de baile)****
João Guimarães Rosa
José Olympio









O coronel e o lobisomem
José Cândido de Carvalho
José Olympio









A paixão segundo GH
Clarice Lispector
Editora do Autor









A legião estrangeira
Clarice Lispector
Editora do Autor









Os pastores da noite
Jorge Amado
Martins









Uma vida em segredo
Autran Dourado
Civilização Brasileira








Antes, o verão
Carlos Heitor Cony
Civilização Brasileira






Morte na praça
Dalton Trevisan
Editora do Autor









Cemitério de elefantes
Dalton Trevisan
Civilização Brasileira










* Jean-Paul Sartre não só ganhou o Prêmio Nobel de Literatura como o recusou alegando que "nenhum escritor pode ser transformado em instituição".

** Trechos de Herzog, de Saul Bellow apareceram na revista Esquire, em julho de 1961, mas a primeira edição impressa em formato livro foi em 1964 pela editora Viking Press de Nova York.

*** Consta que durante a noite de lançamento, Cony autografou mais de 1600 exemplares do livro.


**** A obra Corpo de baile, de João Guimarães Rosa é composta por três novelas sendo que Campo geral, a primeira, foi publicado em 1956; em 1964, foi publicado Manuelzão e Miguilim com as novelas Campo Geral e Uma história de amor.

Imagens: capa dos livros reprodução.

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sexta-feira, 28 de março de 2014

O VENCEDOR DO TOURNAMENT OF BOOK 2014


Com um placar esmagador 11 votos contra 6, o vencedor do Tournament of Books 2014 foi The Good Lord Bird, de James McBride. O romance conta a história de Henry Shackleford, vulgo Onion, um jovem negro e escravo que precisa fugir do Kansas e acompanha o famoso abolicionista John Brown fingindo ser uma garota. A ação se passa em 1857 em meio as discussões violentas sobre a escravidão nos Estados Unidos. 

Além dos inúmeros elogios de crítica, McBride levou pra casa o National Book Award, um prêmio muito prestigiado da literatura norte-americana, desbancando concorrentes como Jumpha Lahiri, Thomas Pynchon e George Saunders.


O livro será publicado aqui provavelmente no final do segundo semestre pela Bertrand Brasil, com tradução de Roberto Muggiati.

*Imagem: divulgação.
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sexta-feira, 21 de março de 2014

NOTAS #45


DAVID FOSTER WALLACE POP
A vida do escritor David Foster Wallace durante a turnê de lançamento do monumental romance Infinite Jest será registrada no filme "The End of the Tour", dirigido James Ponsoldt - se não me engano, um diretor independente ainda pouco conhecido. A história será baseada no livro Although Of Course You End Up Becoming Yourself: A Road Trip with David Foster Wallace, escrito por David Lipsky quando era repórter da revista Rolling Stone e recebeu a missão de acompanhar Foster Wallace numa viagem de cinco dias para escrever um perfil sobre o sujeito que seria o escritor mais importante da literatura norte-americana contemporânea. Acontece que o perfil não foi publicado e anos mais tarde (após o suicídio de Wallace) o material virou um tremendo livro. O ator e comediante Jason Segel foi escalado para o papel de David Foster Wallace e o ator Jesse Eisenberg será David Lipsky.

O filme ainda não tem previsão de lançamento, mas as gravações já começaram e uma foto de bastidores (acima) está rodando a internet.

***

Eu não sabia, mas o livro Breves entrevistas com homens hediondos ganhou uma versão para o cinema dirigida por John Krasinski - em 2009.

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No segundo semestre, a Companhia das Letras deve publicar a tradução de Caetano Galindo para Infinite Jest. O romance póstumo The pale king também está nos planos da editora, mas a tradução deve ficar para o ano que vem.

ACELERA!
Uma empresa norte-americana que estava de olho no mercado de aplicativos para celular pegou carona na mesma ideia daqueles antigos curso de "leitura dinâmica e memorização" e criou o Spritz, um aplicativo que aos poucos treina o seu olhar para ler até 600 palavras por minuto - não conheço uma pessoa que seja capaz de tamanha destreza. Não sei dizer em que medida essa leitura apressada pode ser proveitosa quando lidamos com textos de ficção mais elaborados (que tem como foco um trabalho de linguagem mais cuidadoso, poético, evocativo etc., onde o barato é curtir as palavras ao invés de chegar na última linha do livro). Talvez seja uma habilidade interessante para revisores, preparadores ou pessoas que trabalham com grandes quantidades de texto a toque de caixa. Pensar que os cursos de leitura dinâmica - será que ainda existem? - eram vendidos naqueles comerciais de TV estilo "ligue agora e adquira..." ou por meio daqueles vendedores que abordavam a gente na escola, no shopping ou na rua.

CLARO COMO HEMINGWAY
Você gosta de escrever e não consegue encontrar ninguém para revisar seus textos e dar aquele toque estilístico especial? Pois bem, agora existe um aplicativo que faz tudo isso por você e ainda deixa o seu texto com o mesmo estilo do famoso escritor Ernest Hemingway. Basta acessar o aplicativo, inserir o seu texto e pronto. 

***

Estranho foi descobrir que alguns usuários inseriram textos do próprio Hemingway e o aplicativo fez algumas sugestões de alteração. Deve ser algum erro no algoritmo. 

UM CONTO, POR FAVOR
Carlos Henrique Schroeder é um sujeito inquieto. Além de leitor, escritor, tuiteiro, agitador cultural, editor-executivo da revista Pessoa e curador do Festival Nacional do Conto, ele ainda encontra tempo para organizar a coleção Formas Breves, da e-galáxia, totalmente dedicada ao gênero conto. Qualquer leitor que tenha um e-reader pode comprar um conto por R$ 1,99. Entre os autores da coleção estão Miguel Sanches Neto, André de Leones e José Luiz Passos, mas a ideia é lançar um conto inédito por semana.


CAMALEÃO
O escritor inglês David Mitchell, também conhecido como o camaleão da literatura inglesa, vai publicar um novo romance em setembro. The Bone Clocks vai contar a história de uma pessoa ao longo de seis décadas tendo como ponto de partida o ano de 1984.

***

A tradução do elogiado romance Os mil outonos de Jacob de Zoet deve sair pela Companhia das Letras ainda esse ano. Bem que a FLIP poderia convidá-lo.

*Fotos: reprodução do Google e Twitter.

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sexta-feira, 14 de março de 2014

HOUELLEBECQ POP


No mês que vem chega às lojas o disco Aubert chante Houellebecq - Les parages du vide, do cantor francês Jean-Louis Aubert todo baseado em poemas de Michel Houellebecq. Eu não tinha a menor ideia, mas o escritor já participou de outros três discos: Le sens du combat (de 1996), em que recita poemas; Présence humaine (de 2000) em que recita poemas com acompanhamento musical e arranjos de Bertrand Burgalat; e Etablissement d’un ciel d’alternance (de 2007), outro disco de poemas recitados com acompanhamento musical de Jean-Jacques Birgé. 

A diferença é que nesse novo disco a figura de Houellebecq fica restrita a autoria dos textos e poemas e a tarefa de transformar o material em música e fazer as canções acontecerem foi de Jean-Louis Aubert.

Posso estar enganado, mas acho que Aubert não é uma figura muito conhecida fora da França (ele foi integrante de uma banda punk do final dos anos 70 chamada Téléphone - muito boa por sinal -, a banda acabou, ele seguiu carreira solo, lançou vários discos e também compos a trilha sonora do filme Há tanto tempo que te amo, de Philippe Claudel). 

Para matar a curiosidade de muitos fãs, a gravadora liberou a canção Isolement com direito a videoclipe estrelado pelo próprio Houellebecq - cheio de bom humor e distante daquela imagem de autor carrancudo.



Quando li a notícia, me lembrei que o cantor Iggy Pop também fez um disco inteiramente dedicado ao universo de Houellebecq depois de ler A possibilidade de uma ilha. Será que em breve o escritor vai abandonar a literatura e adentrar definitivamente o universo popular da chanson française?

*Imagem: capa do disco Aubert chante Houellebecq - Les parages du vide/divulgação
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