quarta-feira, 31 de julho de 2013

RETORNO - RUMO AO CASMURROS!


Caramba! Eu sei que prometi um texto com impressões gerais da FLIP, mas o tempo passou, muitas coisas aconteceram e o burburinho da cidade não é mais sobre o que aconteceu em Paraty - tem outras coisas mais interessantes rolando (confesso que voltando de lá tive uma certa ressaca literária e preguiça de escrever; fiquei ocupado com leituras mais técnicas e só agora arrumei um tempo para voltar realmente). Vou fazer um registro ligeiro para não passar em branco e descumprir uma 'promessa'.

Sem muitos rodeios e indo direto ao ponto, achei que essa FLIP pouco literária. De fato, as mesas mais interessantes foram voltadas para o ensaio, a não-ficção, o cinema, a arquitetura e as artes plásticas. Os organizadores gostam de lembrar que a Festa tem um foco mais amplo: não fica restrita a literatura e procura promover debates no campo da cultura e das ideias. Quem não lembra daquela edição que teve o escritor e sociólogo Gilberto Freyre como homenageado? O problema não é incluir outras áreas de conhecimento, mas não tirar proveito dos escritores de ficção.

O comentário coloca a figura do mediador no centro das atenções. É uma posição muito difícil porque fica dividida entre agradar, entreter ou frustrar as pessoas que leram e as que não leram os livros - trocando em miúdos, fazer com que o escritor solte altas dosagens de informação dizendo coisas interessantes (inéditas?!) sobre sua obra, seu processo de trabalho, alguma curiosidade dos bastidores do mercado editorial, uma notícia em primeira mão sobre o próximo livro etc. A maioria cometeu o pecado de falar demais, fazer perguntar à toa ou não interferir nas horas certas. Teve também as questões ligadas a barreira das línguas que são compreensiveis: o embaraço na hora de formular perguntas e interferir nas respostas e a tradução simultânea ficou confusa e atrapalhou em muitos momentos. Por fim, aquele raio daquele microfone da Madonna falhou e incomodou muitos escritores - John Jeremiah Sullivan parece ter sido o caso mais emblemático; Lydia Davis também, mas ela tinha um microfone de mão. Questões aparentemente simples que tem alto impacto quando somadas ao nervosismo e tensão do grande momento.

(Um parênteses sobre as perguntas formuladas em outra língua ou traduções simultâneas. Peguei autógrafo do Geoff Dyer e, na fila, fiquei repetindo mentalmente uns comentários em inglês para conversar com ele. Quando chegou a hora me atrapalhei todo e falei coisas completamente diferentes do que tinha planejado. Acontece! A coisa está ao vivo, de modo totalmente aleatório e certamente terá margens de erro).

Em resumo a FLIP pode repensar esses incidentes e testar novos formatos - acho aquele momento de leitura de um trecho do livro muito solene e deve ganhar atenção e respeito necessário. Enfim, tem de arriscar mais.

Faço uma pequena defesa quanto a edição porque as manifestações nas ruas do Brasil tomaram uma proporção tão grande que realmente abafaram qualquer interesse pela ficção. É difícil competir com o chamamento da vida real - o assunto foi onipresente, não tinha como não ser. O elenco de escritores foi fechado muito antes de tudo acontecer. Três escritores deram o cano e restou aos organizadores substituir essa turma por temas mais pertinentes a situação, mas ao invés de mesas literárias tivemos mesas políticas meio improvisadas as pressas que tratavam novamente das muitas análises que circularam nos jornais, revistas, programas de TV, internet etc. Imagino que tenha sido tenso para os organizadores. E deve ter rolado um arrependimento enorme ter recusado a vinda de Chuck Palahniuk - para ficar numa observação óbvia uma mesa estabelecendo relações entre Clube da luta e os protestos renderia muitos frutos.

Sorte na próxima vez!


P.S.: quero dizer que o Casmurros apóia a campanha para termos Lima Barreto como autor homenageado da #FLIP2014. Tem mais informações aqui


PS.2: Caso você não saiba, Miguel Conde não será o curador da próxima edição. Os organizadores devem anunciar um nome novo até setembro.

*Foto: Rafael R./Casmurros
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quinta-feira, 4 de julho de 2013

AUSÊNCIA - RUMO À FLIP!


Caros, leitores!

Estou indo rumo à FLIP. Pretendo atualizar o blog de lá, mas não sei se vou ter sucesso em função do tempo e do acesso ao wi-fi/internet. Prometo que vou tentar. Se não pintar nenhum texto novo até segunda-feira, não se preocupe. Quando voltar terei muitas histórias para contar.

Nos vemos na FLIP.

*Imagem: Flickr da FLIP.
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A FLIP JÁ TEM UMA MUSA


Você está na FLIP e quer um conselho? Tente encontrar uma maneira de assistir a mesa com a escritora franco-iraniana Lila Azam Zanganeh. Ela será a musa dessa edição (me desculpe, Lydia Davis!) como bem adiantou Ronaldo Bressane numa reportagem para a revista Harper's Bazaar Brasil. Razões não faltam: além de muito bonita, simpática e inteligente, Lila fala português com um leve sotaque francês. Ela conta que fez questão de aprender o idioma assim que recebeu o convite da FLIP e começou a fazer aulas com um professor da USP pelo Skype. Não teve muita dificuldade porque domina seis línguas e desde pequena fala francês, persa e italiano.

Como se não bastasse, Lila ainda é fã de Vladimir Nabokov (um dos escritores mais importante do século XX) e escreveu um livro muito original sobre o escritor relacionando sua obra ao tema da felicidade - O encantador: Nabokov e a felicidade, saiu pela Alfaguara.

Ela divide a mesa com o carioca Francisco Bosco. Se não me engano, ainda há ingressos para a tenda do telão.

*Imagem: Divulgação/FLIP.
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quarta-feira, 3 de julho de 2013

TÃO DIVERTIDO QUANTO A FICÇÃO

A FLIP começa hoje com dois grandes desfalques: o francês Michel Houellebecq (que será substituído por uma mesa cujo tema são as manifestações que tomam as ruas do país) e o norueguês Karl Ove Knausgård (que cancelou a participação ontem, alegando motivos pessoais, e será substituído por Juan Pablo Villalobos). Sobre Houellebecq já comentei num outro texto; quanto ao Knausgård, achei a notícia ruim, mas me conforta saber que a série autobiográfica Minha luta é composta por 6 volumes. De modo que ainda teremos outras cinco oportunidades para vê-lo de perto.

Saindo da realidade e adentrando as raias do exercício imaginativo, Raphael Dyxklay (crítico literário, tradutor de obras de Charles Dickens e agitador cultural) enviou para cá uma "cartinha" propondo a "FLIP dos sonhos". Achei a proposta muito original e fiquei pensando cá com meus botões no que o grande público diria. Será que a seleção seria aprovada ou reprovada? Jogo a avaliação nas mãos dos leitores e convido, assim como o Raphael também convida, todo mundo a enviar propostas e comentar o assunto.

"Caro,

Minha mãe chegou ontém - ou será que foi anteontém? - com uma história de que iria a FLIP comigo, já que estava com ingressos sobrando. Minha mãe não é uma pessoa má, só que de literatura ela não entende. Dentre os escritores convidados ela não conhece nem o Francisco Bosco (sorte dela). Como bom crítico que me julgo, adaptei meus critérios e separei lugares para ela nas mesas de autores pintosos, como a do Laurent Binet com o Aleksandar Hemon. É verdade que ela preferiria vê-los jogando volêi de praia do que falando idiomas desconhecidos, mas paciência...

Agora, sabe que ela me aflorou minha própria decepção com esse ano. Fora a mesa dos inteligentes (e belos) autores já citados poucas outras me agradaram. Então resolvi propor-lhe uma curadoria ficcional a qual você e o público do seu blog poderia acrescentar mais nomes. Obviamente levamos a vantagem sobre o Miguel Conde de, na ficção, nenhum autor ter a coragem de nos recusar o convite. O que também não vai me impedir de ir correndo à edição verdadeira, afinal, como disse o Woody, "a realidade é chata, eu não nego, mas é o único lugar onde você pode comer um bom bife".

O que vejo de mais grave na curadoria atual são mesas que se atem ao previsível, unindo autores muito próximos (de modo a estereotipá-los: como com Javier Cercas e Juan Gabriel Vasquez) ou muito simpáticos um ao outro (Egan e McEwan). Outra coisa é não valorizá-los por seu conteúdo extra ficcional. Quem ler a entrevista que Houellebecq deu a Paris Review pode perceber quão pouco interessante são suas considerações ainda que para fãs de sua ficção."

Seguem as mesas:




*Arte: Rafael R.
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segunda-feira, 1 de julho de 2013

UMA CONVERSA ENTRE JOHN JEREMIAH SULLIVAN E GEOFF DYER

Os escritores John Jeremiah Sullivan (autor do livro Pulphead) e Geoff Dyer (autor do livro de ensaios Zona – inédito no Brasil –, entre outros) se encontraram para discutir escrita, Arizona nunca mais e comodismo. A seguir uma transcrição da conversa que aconteceu na livraria 192 Books, em Nova York.

John Jeremiah Sullivan: Eu gostaria de começar dizendo que é uma honra falar com Geoff Dyer, um escritor que inspirou toda a minha carreira. De fato, já houve mais de uma ocasião em que um editor demonstrou incompreensão sobre uma idéia que eu queria desenvolver e eu levantei a minha mão e disse: "é como se você nunca tivesse ouvido falar em Geoff Dyer!"

Geoff Dyer: Bom, quero dizer que esses eventos são muito horríveis – são apenas duas pessoas dando tapinhas um nas costas do outro. Quando o livro de John ainda não tinha sido publicado na Inglaterra e as listas de melhores livros do ano começaram a chegar, todo mundo escolheu a biografia de Dickens escrita por Claire Tomalin como o melhor do ano, mas eu estava muito a frente. Escolhi o livro de ensaios desse cara americano sete ou oito meses antes de ser publicado na Inglaterra. Há um problema de estar à frente – pode parecer que você está fora da curva. Existe essa onda enorme de expectativa, e quando você vai à Inglaterra, você descobre que nada do que acontece pode sobreviver de acordo com essa sensação de expectativa na terra de decepção. Então aproveite!

Sullivan: Obrigado por me avisar. Bem, eu gostaria de falar só um pouco sobre o seu livro novo que eu devorei nos últimos dias.

Dyer: Claro, seria ótimo!

Sullivan: Obrigado. Eu vou tentar colocar as coisas de maneira geral... queria ler um trecho que vai dar algum sentido no método do livro. O livro inteiro é uma reação a um único filme – Stalker, de Tarkovski – que eu vou logo dizendo que é um filme que eu não conhecia muito bem. Minha esposa é uma estudiosa do cinema e uma razão pela qual a nossa relação funciona é que eu não falo nada sobre filmes e ela não lê o meu trabalho. Nós compartilhamos essa harmonia...

Dyer: Há quem diga que você também seja patético quando o assunto é música, John. Mas vamos ser cordiais nesse momento...

Sullivan: [Risos] Eu estou absorvendo isso... Mas uma das coisas maravilhosas neste livro é que ele consegue ficar tecnicamente num diálogo muito próximo com o filme, de forma crítica e, ao mesmo tempo, está produzindo todas essas belas tangentes na forma de notas de rodapé que de alguma forma nunca vão tirar nada além da coluna vertebral do tópico fílmico. Por isso tem um tipo de beleza tensa e uma espécie de equilíbrio.

[Sullivan lê uma longa passagem de Zona]

Repetidas vezes o seu livro vai fazendo isso em loops, desafiando a gente a pensar que você deu um passo maior do que a perna e nós dizemos: "Você esqueceu que você está escrevendo um livro sobre Tarkovski?" Então você retorna com uma linda visão epifânica. Fiquei deslumbrado com isso.

Dyer: A questão é que eu passei muito tempo dizendo coisas embaraçosas no meu livro, o que isso significa... Na verdade, me deixe ligar isso com algo. Edmund White é um grande escritor confessional. Ele está sempre dizendo coisas... Houve um tempo em que os gays foram desencorajados de entrar para o serviço secreto, porque isso poderia torná-los suscetíveis à chantagem. E adoro alguém tentando chantagear Edmund White. Você sabe, é algo como, "Sim? Eu já fiz isso e disse a todos que fiz."

Me parece que a questão principal, esta é a aposta, na verdade, é ser absolutamente fiel às minhas próprias experiências do filme e minha própria percepção – por mais ridículas que elas possam ser – o que significa que pode haver alguma chance de chegar em algum tipo de verdade universal.

Sullivan: Outra coisa que torna possível manter esses dois aspectos do livro em conjunto é o empunhando muito habilidoso das notas de rodapé. Você fez algo com as notas de rodapé que eu ainda nunca tinha visto. Você as padroniza de tal forma que nós nunca temos que voltar para descobrir o que estava acontecendo. Se estivéssemos lendo uma nota de rodapé na parte inferior da página que chegou ao fim, a página seguinte seria uma nota de rodapé completa. Eu me perguntava quanta atenção você deu para isso. Você fez um estudo sobre isso ou isso aconteceu naturalmente enquanto você escrevia?

Dyer: O negócio com as notas era realmente um recurso. Quando eu estava escrevendo o livro funcionava como um tipo de faixa longa de escrever a síntese e tudo o que vinha na minha cabeça. Ocasionalmente, eu queria colocar um suporte em torno de algo que era obviamente muito estranho. Então, era apenas uma questão de encontrar uma maneira de conciliar meus outros pensamentos sobre o filme com a minha síntese do filme. A certa altura pensei, "vamos fazer como um texto paralelo, com a síntese numa página e a nota de rodapé e as outras coisas na outra", mas era tudo tão fora de sintonia que regularmente poderíamos ter uma página em branco do outro lado. Eu gostei da ideia de que, como um crítico disse, eventualmente, as notas de rodapé crescem ao longo do corpo principal do texto como a hera ou algum tipo de erva daninha ao longo de um edifício. Também gostei que essa ideia estava de acordo com a natureza da Zona em si – que o artificial está sempre sendo recuperado pelo mundo natural. É engraçado. Há essa suposição de que David Foster Wallace inventou a nota de rodapé, escrevi algo no jornal britânico sobre como eu era alérgico a DFW, e comecei a copiá-lo (eu não fiz isso – era apenas um recurso técnico).

[Olha para Pulphead] Me lembrei das notas de rodapé substanciais que esse livro não tem. Eu acho que a questão é que você não precisa nem colocar suas notas como notas de rodapé. Nos parágrafos de Sullivan elas estão incorporadas.

Sullivan: É. Eu continuo escrevendo ao invés de colocá-las como uma nota. Eu vou em frente.

Dyer: Ontem eu estava conversando com alguém e falei sobre esses seus ensaios em que não sabemos o que você vai dizer em seguida. E isso está transposto ao nível do parágrafo – você não tem idéia do que vai acontecer a seguir e por isso tem essa estranha versão de suspense – e dentro da estrutura maior do ensaio. Essa reviravolta na abertura da história – quando você fala sobre sua adolescência como cristão evangélico – e dentro dos parágrafos. Cada frase pode ser seguida por algo do qual você está totalmente despreparado. Isso é emocionante.

Sullivan: Fico feliz que você pense assim. Eu acho que às vezes tem a ver com a mudança de substâncias no meio do ensaio, passando de um café para um coquetel ou coisas do tipo. [Risos] E então existe uma aleatoriedade aparente, mudanças muito abruptas.

Dyer: O importante é – e isto é algo que temos em comum – com estas reversões abruptas ou mudanças, o tom pode acomodar tudo. Sendo assim, não há esse tipo predominante de coerência.

Sullivan: Eu concordo. Estava pensando nisso no contexto de toda sua carreira, pois parece que desde muito cedo você decidiu que a forma de seu trabalho – o que lhe daria uma coerência entre os diferentes gêneros com os quais você trabalhou e as diferentes abordagens que você tentou – seria a sua voz e também o círculo de seus interesses. Esse é o tipo de coisa que se tornou a verdadeira assinatura de qualidade do seu trabalho - que a confissão e a forma dos seus próprios pensamentos seriam suficientes para dar uma estrutura formal para os seus livros. No início da sua carreira quando foi que você começou a se sentir dessa maneira e o que lhe deu a confiança necessária para fazê-lo?

Dyer: Engraçado! Eu acho que muitas vezes, o que pode dar uma certa confiança, estranhamente, é uma espécie de desespero. Desespero de ser capaz de fazer qualquer outra coisa. Ou talvez seja exagero. Talvez seja mais parecido com resignação, na realidade. De chegar a um estilo particular, que é o que por padrão te dá todas as outras coisas que você não pode fazer.

Para mim, sempre achei que eu estava muito suscetível à influência, mas incapaz de soar como a pessoa por quem eu estava sendo influenciado. Por isso, sempre acaba soando como eu, mesmo quando eu estava tendo a impressão de que estava escrevendo esta bela versão anglicanizada do francês barthesiano. Era apenas – estranhamente – inglês de Gloucestershire. Eu já disse isso antes, mas é verdade. Eu acho que foi determinante para mim, esta incapacidade absoluta de contar uma história ou pensar em histórias e enredos.

Às vezes, como pode acontecer com qualquer crítico, eu vou longe demais. Pego minha própria inadequação, uso isso como uma vara e começo a bater na cabeça dos outros escritores. Digo: "eu não gosto dos livros de X ou é uma história muito certinha". Até que estranhamente isso se torne algo inadequado. Mas se você não pode pensar em histórias, então o que te resta? Bom, te resta a estrutura e a voz.

E você? Você acha que o estilo a que você chegou é de alguma forma compensador? Será que você vai começar a ser um escritor certinho?

Sullivan: Não. Nunca. Eu me relaciono com o que você disse sobre o desamparo. Porque você sabe que escreve os seus melhores textos quando segue os seus interesses, mesmo quando eles não saem do jeito que você quer que saiam, fora de uma espécie de polidez. Muitas vezes eu sou tímido quanto a forçar minhas obsessões sobre o leitor, mas sei que quando me entrego a isso, escrevo melhor. Isso se tornou o fio condutor do meu trabalho, é a isso que continuarei me entregando.

Dyer: Isto é algo que nós temos em comum. Muitas vezes, a auto-indulgência é usada no sentido pejorativo.

Sullivan: Vamos reivindicar! [Risos]

Dyer: Sinto que nós estamos aqui sendo indulgentes com nós mesmos. Sempre que alguém me fala de um livro: "Oh, isso é tão auto-indulgente", Eu acho que...

Sullivan: “Você tem um exemplar?”

Dyer: Exatamente. E você consegue dizer quando escritores estão se divertindo. Eles costumam estar naqueles trechos auto-indulgentes... Então, você começou dizendo "desespero e resignação", eu contribui e acrescentei: "desamparo".

Sullivan: É o começo de uma trama se formando... Bom, devemos perguntar quantas pessoas na sala assistiram Stalker, de modo que, se nós começarmos a falar sobre isso, não vamos... Quantas pessoas já viram ao filme de Tarkovski? Um terço? Isso faz com que eu me sinta menos ignorante. Acabei de assistir em russo, também, então eu provavelmente tenho uma visão distorcida.

Dyer: Isso é extremamente interessante, porque, outro dia, eu recebi uma nota de um tradutor alemão e há um momento-chave no meu livro quando ele está citando a versão em inglês do filme (que eu vi). E a legenda diz: "Aqui estamos, finalmente em casa", quando a personagem finalmente chega na Zona. É claro que é um grande momento. E o tradutor alemão (que, evidentemente, não conhece apenas duas línguas – parece que ele fala russo bem) disse que nas versões em russo e alemão, a personagem não diz: "finalmente em casa". Ela simplesmente diz: "aqui estamos". Eu gosto do jeito que essa coisa – a Zona – se reconfigura de acordo com o que as pessoas trazem para ela. Assim, o filme não é absolutamente uma entidade fixa mas se manifesta nestas diferentes maneiras. Eu realmente vi um filme um pouco diferente de você. Como é o seu russo?

Sullivan: Eu mal falo uma palavra. Mas é um bom filme para assistir numa língua estrangeira. É quase como assistir a mímica. Há tão pouco diálogo e sem ele você pode dizer o que está acontecendo emocionalmente com as personagens, então eu consegui acompanhar. E também li sua descrição do filme. Mas uma coisa interessante: você menciona o filme pela primeira vez em seu trabalho num parágrafo sobre o Burning Man Festival no sudoeste – em Nevada. Você participou do Burning Man várias vezes, não foi? Acho que você mencionou em cinco dos seus livros? [Risos] Eu tenho certeza. Talvez eu não saiba nada sobre música, mas disso eu sei.

Dyer: Sim. Bom, pelo menos eu não fui ao – qual é o nome desse festival que você foi? Crossover Festival?

Sullivan: Não foi ainda, você quer dizer.

Dyer: Sim, eu fui pela primeira vez ao Burning Man, em 1999, e durante quatro ou cinco anos e ia religiosamente. Foi a coisa mais importante da minha vida e continuo a considerar que ter ido ao festival Burning Man foi a minha maior conquista. Ainda acredito nele – completamente. Eu certamente não quero ir de novo. [Risos]

A Zona neste filme é este lugar imaginário, é claro, mas me parece (e isto é algo que eu esqueci de dizer no livro) que é algo em que, junto com outras coisas, eu sempre estive interessado. Eu sempre estive interessado em zonas reais – lugares que têm esse tipo de poder especial. Olhei os livros que escrevi e comparo a esses lugares onde se você tem algum tipo de contador Geiger, você vai lá e o contador Geiger começaria a enlouquecer, porque esses lugares têm algum poder especial. Assim –

Sullivan: um vórtice, como nossos hippies dizem.

Dyer: Sim – qual é aquele lugar horrível em...

Sullivan: Sedona?

Dyer: Exato.

Sullivan: Isso é o vórtice. Há uma grande quantidade de energia lá. [Risos]

Dyer: Se tivesse algum poder ali, estariam negociando com o além, não é verdade? Sim, há muitos lugares como esse. Os cemitérios de Somme tem esse tipo de poder incrível. E a ideia do deserto de Black Rock. A primeira vez que o Burning Man Festival foi para o deserto, 80 pessoas traçaram uma linha na areia e disseram: "Do outro lado desta linha, existe um mundo diferente". Então todos deram as mãos e cruzaram a linha, e incrivelmente, criaram um mundo diferente. Mais tarde, eu fui para o campo iluminado – a parte poderosa daquele lugar. O lugar mais poderoso em que eu já estive, em Varanasi, na Índia, onde qualquer tipo de contador Geiger quebraria. Tudo iria quebrar por causa do poder vibracional que aquele lugar tem por conta das práticas hindus que ocorreram lá. Eu não sei se Richard Dawkins esteve lá, mas ele seria irracional ao não ver as moléculas dos edifícios mudaram fisicamente como resultado de milhares de anos – você não tem que acreditar que o mundo foi criado quando Shiva chorou uma lágrima – pensar que este é um lugar onde regras diferentes da física são alcançadas. Eu realmente gosto da Zona. De uma forma estranha, até mesmo quando estou ouvindo música, isso é tudo o que realmente quero fazer, é só entrar em transe com música nalgum tipo de zona. Você já esteve nessa zona com Guns N'Roses?

Sullivan: [Risos] Uma vez por semana. Mas isso se conecta diretamente a muitas coisas que você diz sobre o filme.

Há uma descrição incrível na página oito do livro que mostra o quanto da atenção visual foi embora quando você viu o filme de uma forma que me lembra John Berger. Alguém sobre quem você já escreveu. Essa é a descrição do visual do filme Stalker:

Mesmo descrever o preto-e-branco de Stalker como preto-e-branco é tingir o que estamos vendo com uma sugestão inadequada do arco-íris. Tecnicamente esse sépia concentrado foi alcançado por filmar em cores e imprimir em preto e branco. O resultado é uma espécie de submonocromia em que o espectro foi tão comprimido que pode vir a ser uma fonte de energia como o petróleo, e quase como a escuridão, mas com um brilho de ouro também.

Não tendo visto o filme, eu teria admirado isso de qualquer maneira como um pedaço de prosa, mas tendo visto, é tão morto para a maneira como o filme parece. E havia muitas outras coisas que você notou que mostram esse nível de atenção. Uma das mais belas observações no livro é a nota de que Tarkovski é muitas vezes sutil nas aproximações ou distanciamentos da câmera de uma forma quase imperceptível, mas como resultado o filme em si parece respirar. Achei muito comovente e bonito.

Isso não é uma pergunta, mas um elogio. [Risos] Então ... responda a esse elogio.

Dyer: Faz bem! [Risos] Aquele chacra estava sendo desbloqueado.

Sullivan: Outra coisa incrível que talvez você poderia elaborar (que é algo mais próximo de uma pergunta). Este é um dos muitos lugares no livro onde você menciona um fato muito estranho e aparentemente significativo da forma mais insinuante, numa frase apenas, e você não volta. O fato de que muitas pessoas morreram na realização deste filme: o editor do filme foi queimado num incêndio com o suporte do filme original; Tarkovski teve um problema coronário no filme; havia um riacho venenoso que atravessava a paisagem e muita gente acredita que aquilo deu câncer em algumas pessoas que trabalharam no filme. Isso é verdade?

Dyer: Eu acho que sim, mas a história está muito saturada em mito. Este filme sobre um lugar mítico é alimentado por mitos. Mas me parece que isso não é tão incomum. Não ouvimos com tanta frequência que tudo correu bem com essas grandes obras: nós tivemos um grande momento, todo mundo teve sucesso, foi abaixo do orçamento e finalizamos antes do prazo.

Se você pensar nos documentários que foram feitos sobre Apocalypse Now e Fitzcarraldo, é sempre essa coisa de épico em queda, desastre sendo cortejado, enorme perigo financeiro – normalmente o filme fica bem a beira do colapso e de alguma forma ele é realizado.

Eu não sei em que medida queremos ser totalmente nerds sobre Stalker, mas o que acontece, talvez em todos esses casos, eu acho, os problemas que eles têm acabam se tornando essenciais para o sucesso do filme.

Portanto, neste caso, se verifica que eles tinham usado a metade do orçamento e tudo o que eles filmaram virou defeito. Há um grande debate sobre de quem foi a culpa e todos culpam os outros. Mas o filme vai um pouco mais além. E essa longa pausa – o estresse quase matou Tarkovski – provou ser muito importante porque foi nesse hiato que ele reconceitualizou a personagem do stalker e mudou o seu caráter batalhador – eu acho que a palavra usada por Tarkovski é um "bandido” ou um tipo de “traficante” – mudou disso para ser esse sujeito verdadeiro, crente apaixonado e apóstolo na Zona. E acho que uma das coisas que nos afeta tão profundamente é a crença absoluta do stalker neste lugar.

Eu já vi isso tantas vezes. Tem o momento em que ele chega à Zona, sai para andar um pouco sozinho e cai na vegetação neste estado de felicidade que só esse lugar que ele ama tanto, em que ele fixou a vida toda, é como ele se lembrava. E é isso – acho que é extremamente profundo e comovente.

Um dos motivos mais simples para escrever o livro foi quando Coetzee está falando em Diário de um ano ruim sobre algumas passagens de Dostoievski e diz: "Eu li essas páginas tantas vezes e ainda me vejo chorando incontrolavelmente quando estou comovido". Então ele diz: "Por que é que eu nunca me acostumei ao poder deles?" E para mim, o poder deste filme parece ter aumentado ao longo do tempo. Você sabe, tem 30 anos desde que o vi pela primeira vez. E de certa forma, stalker está entrando em colapso com alívio que não o desapontou. Esta é uma outra forma em que as minhas respostas ao filme estão embutidas dentro de algo que eu estou vendo na tela. Porque eu já vi esse filme tantas vezes. E seu poder nunca diminui.

Sullivan: E o filme está entrelaçado em sua vida mesmo que você não queira que ele esteja, por isso há um sentimento de registro natural com as notas de rodapé e com as observações complementares. Acho que isso é parte do que o torna encantador.

Dyer: Exatamente.

Sullivan: Quantas vezes você já viu?

Dyer: É engraçado. É difícil dizer agora, porque ele está passando no meu computador em diferentes pedaços. Mas eu acho que devo ter visto no cinema umas quinze vezes.

Se você fosse escrever um ensaio sobre um filme, qual seria?

Sullivan: Hmm.. O mágico de Oz? Que no livro você confessou nunca ter visto – como isso é possível? Isso é algo que eu queria te perguntar. É estranho para uma pessoa inglesa nunca ter visto esse filme? Aqui você tem que ser levado a um porão acorrentado a um radiador ou de algo do gênero para nunca ter visto o filme em algum momento.

Dyer: Sim, você sabe, uma das coisas infelizes sobre este assunto irá recair sobre livro é qualquer mudança que eu faça tem um enorme efeito multiplicador, porque não há capítulos. Esse foi um desses. No final desta nota, sobre O mágico de Oz, eu digo que nunca vi e eu não vou ver. Foi uma dessas coisas... Às vezes, algumas profissões de ignorância são em si esclarecedoras e essa me parece ser, assim, que era uma estupidez. E várias pessoas têm se aproveitado disso, e eu percebi, sim, eles estão certos de terem feito isso porque era tolo, mas eu não posso fazer mais nada. Normalmente, com um livro mais tradicionalmente organizado, você pode cortar as coisas. Mas esse comentário idiota, que não serve para nada a não ser para irritar as pessoas, está preso ali.

Sullivan: Para mim foi motivador porque te desarmou de ser um esnobe e nos fez recorrer ao livro com a guarda abaixada. Talvez você possa incorporar isso como uma razão para ter feito o que fez.

Dyer: Ah. Ok.

Sullivan: Se alguém perguntar.

Dyer: Uma das razões que surgem é que é que a mudança do preto para o branco em ambos os filmes é importante. Mais uma vez, correndo o risco de ser totalmente nerd, quando foi transmitido pela primeira vez na TV, na Grã-Bretanha, o filme começa em preto e branco e simplesmente transmitiram em preto e branco. Porque um dos momentos incrivelmente lindos é quando as personagens chegam na Zona e vemos em cores.

Sullivan: Eu estava curioso para saber se talvez escrever o livro fosse lhe roubar o prazer de assistir ao filme. Às vezes eu odeio voltar as coisas que eu escrevi, a não ser que eles sejam muito, muito importantes para mim (eu sei que este filme é importante para você). Mas eu me perguntava se talvez fosse lhe roubar parte do prazer de assisti-lo, porque agora o filme é associado com o seu próprio trabalho e não é divertido pensar em seu próprio trabalho.

Dyer: Bom, amanhã nós mostraremos um DVD de Stalker, vamos interrompê-lo e falar a respeito. Na verdade, estou muito ansioso por isso. Não pelas interrupções, mas para assisti-lo novamente. Sinto que este filme é tão inesgotável. Sinto como Garry Winogrand ou algo assim. Você sabe, eu nunca, nunca me canso de olhar as fotos de Garry Winogrand. Com outras coisas, quando você escreve um livro sobre alguma coisa, você sabe muito sobre ela. Com jazz, eu passei um longo período em que não podia ouvir uma nota de jazz. E depois, claro, você acaba voltando. Estranhamente, não estou atravessando um período de alergia ao filme onde não possa ficar sozinho no mesmo lugar em que ele está sendo exibido.

Garry Winogrand, "New Mexico," 1957

Sullivan: Você ainda está nessa de rave e ouve música trance?

Dyer: Não.

Sullivan: Você esteve por um período, não? O que eu considerei extraordinário num homem que poderia começar dando um golpe nos gostos musicais. [Risos] Isso nos coloca num terreno comum.

Dyer: Dizem que é o soco que você não vê chegando! Eu não vi isso vindo.

Sullivan: Um contra-ataque...

Dyer: Não, quero dizer o que aconteceu com a música era que eu não amadureci com a idade. Eu gostava de jazz e pelo jazz eu cheguei na música clássica indiana. E então eu cheguei a música eletrônica e graças a Deus eu cheguei. Perder isso teria sido – eu era jovem o suficiente para ter entrado nessa. Eu acho que por um tempo, musicalmente, foi a coisa mais empolgante que aconteceu.

Sullivan: E você poderia escrever a respeito. Você mencionou, em alguma parte num dos seus livros, que você pode escrever a respeito, porque era algo eterno – tem um compasso marcado flutuante, por isso não distrai. É preciso?

Dyer: Esta é uma das maiores vantagens de ser o maior especialista do mundo sobre a obra de Geoff Dyer. Posso dizer certinho para você. Não, não era esse tipo de música (que é totalmente perturbador), mas mais do que o tipo de música sem batidas ou ambiente. Obviamente, palavras em música são desesperadamente dispersivas. Ritmo é distração. Portanto, é neste livro, onde digo que estava ouvindo um monte de William Basinski ou Stars of the Lid, que ele te coloca nesse – eu vou usar a palavra "liminar", embora eu não saiba o que ela significa – mas eu acho que esse tipo de coisa pode colocá-lo em algum tipo de espaço liminar. Com isso eu poderia tentar dizer subliminar, eu realmente não sei. O que você ouve quando você está escrevendo?

Dyer: Eu não posso ouvir música em geral. Meus pensamentos dispersam quando eu ouço. O ruído branco pode ser útil às vezes, até mesmo o som da cidade é melhor do que o silêncio total. Mas eu nunca fui capaz de escrever com música.

Mesmo música instrumental... Se você começa, a música tende a ter algum tipo de narrativa nela. Mesmo a música clássica, eu fico muito atraído para a narrativa dela e isso exige muita atenção. Assim que você quer música, onde quase nada acontece –

Sullivan: Como Guns N 'Roses?

Dyer: [Risos] Sim... Você acha que um dos testes da não-ficção é que a pessoa se torna absorvida por aquilo, independentemente do assunto? Para mim, com o seu ensaio dos Guns N 'Roses, que eu sei que fui rude... Eu sei que não fui rude na imprensa, mas ...

Sullivan: Eu acho que você foi muito gentil.

Dyer: Eu não poderia estar menos interessado em qualquer coisa do que Guns N 'Roses, mas é claro que eu amei o seu ensaio sobre Guns N' Roses, apesar da importância do tema. Me parece que essa é a chave para todas essas coisas, não é?

Sullivan: Sim, concordo plenamente, porque a coisa sobre o que eu estou escrevendo já é uma tentativa de escrever sobre outra coisas em 99% do tempo. Por isso é mais importante para mim que o leitor só entre no espírito da metáfora, seja ele qual for. Eu espero que, não importa qual seja o assunto principal, a vontade seja apenas um veículo no caminho para esta coisa. De certa forma, é até OK, se o leitor odeia e reage com um tipo de violência interna contra o assunto. Isso pode ser útil, porque você se sente como, OK, nós dois estamos tentando engatinhar para fora disso juntos. Mais do que isso, eu estou tentando me purgar deste afeto equivocado não importa qual seja (Axl Rose, neste caso).

Dyer: Isto me parece ser algo que temos em comum, mas você não é obrigado a concordar. Me parece que os ensaios neste livro e muitos dos meus ensaios são viagens, de uma forma ou de outra. Às vezes, eles são os percursos rodoviários físicos como em seu primeira ensaio, mas geralmente eles são uma espécie de viagem epistemológica de relativo desconhecimento ou perplexidade – curiosidade – em direção a algum tipo de conhecimento e/ou entendimento. Você sabe, as pessoas falam sobre Montaigne ou qualquer outra coisa, mas esse aspecto do ensaio é algo que muitas vezes não é enfatizada. Você acha que é o que os seus ensaios são?

Sullivan: Absolutamente. Quer dizer, eu rezo para que eles sejam, porque esse é o valor potencial. Eu raramente estabeleço um sentimento de que tenho uma opinião sobre o assunto que seja muito interessante para o leitor. Eu tento não entrar numa opinião privilegiada. Espero que a missão, ou como você está dizendo essa viagem para entender melhor a coisa, em si seja intensa e pura o suficiente para levar o leitor ao longo de um lugar de maior compreensão. Essa é a única maneira de acontecer. Trata-se de sensibilidade. Trata-se de aderência em sua própria ignorância e tentativa de eliminar isso de alguma forma.

Dyer: Eu sabia, mesmo antes de começarmos nossa conversa, que estaríamos em desacordo sobre a forma que isso iria tomar. John ficava  dizendo: "eu quero falar com você sobre o seu novo livro". Mas se está OK, vamos virar um pouco o jogo.

Sullivan: Claro.

Dyer: No ensaio sobre Sr. Lytle, você falar sobre seus anos de aprendizado para chegar ao seu próprio estilo. Eu adoraria ouvir um pouco sobre os escritores que o influenciaram. Como você chegou a esse estilo totalmente diferente deles.

Sullivan: Não sei – me sinto como um interlocutor cronicamente ruim sobre essa questão. Sinto como se cada escritor que eu tivesse entrado em contato, tivesse alguma influência no meu estilo. Mas definitivamente aquele ano em que convivi com Lytle foi de formação. Ele me aprofundou nos romancistas franceses e russos do século XIX. E na tradição norte-americana, Hawthorne significou muito para mim. DeQuincey é um escritor que significa muito para mim. E Hazlitt que eu sei que é um guia espiritual para você também, certo? Seu ecletismo, a insistência em seu próprio ecletismo e falta de um pedido de desculpas por tudo isso. Ele é alguém em que eu sempre penso quando as pessoas dizem: "Eu gosto deste livro, mas parece que vai para todos os lugares". Bom, há uma longa tradição de ir para todos os lugares que é tão longa como qualquer outra.

Dyer: Sim, com certeza é ...

Sullivan: Não sei, para mim parece que escritores antigos acabaram me dando muita  influência, provavelmente porque sinto que eu posso lê-los e digeri-los de uma forma que é menos complicado. Quando se trata de pensar sobre seus contemporâneos e o que eles querem dizer para você, há muito competitividade estática. Mesmo quando é preciso uma manifestação contrária, você sente que alguém é um camarada. Tudo isso faz com que seja mais difícil ver o que o escritor fez e o que você pode tirar dele ou roubar dele. Então, gosto dos escritores mortos. [Risos]

Posso lhe perguntar sobre uma observação que você fez naquele livro sobre os irmãos Coen? Que não parecem sacudir – você se acusa de ter sido sacudido com aquela coisa do Mágico de Oz, mas você descreve os filmes deles como "bobos". Eu ouvi um monte de americanos criticarem os irmãos Coen, mas geralmente é uma crítica oposta a que é feita – que é meio inteligente, que é tudo humor sem coração. Eu queria que você ampliasse essas observações.

Dyer: Oh, com muito prazer! [Risos]

Houve uma ocasião em que a revista The Threepenny Review estava organizando um simpósio sobre Almodóvar. Eu estava muito feliz de contribuir, porque odeio os seus filmes, mas devidamente escrevi algo e eles não publicaram porque achavam que era muito abusivo. E esperei por um simpósio onde eu pudesse me lançar nos irmãos Coen. Eu acho que é muito simples.

Eis o fato: Eu tenho um G.S.H. Eu realmente tenho um Grande Senso de Humor. Nós não vamos debatê-lo – apenas aceitá-lo. [Risos] E quando vejo um filme dos irmãos Coen no cinema, estou cercado por todas essas pessoas que riem de forma insana e eu fico pasmo. A razão pela qual eu não estou rindo e eles estão é porque tenho senso de humor e eles não. O que se percebe é que as pessoas, mesmo sem um senso de humor, querem dar uma risada. Porque é divertido rir, claro. Eu sempre me lembro de um pedaço. Sabe quando você vê alguém fazendo um sinal num romance e é uma espécie de introspecção na alma? Há uma seqüência em Fargo, aquele pedaço onde o cara diz: "Eu preciso de uma pomada". Você se lembra? Isso é humor para as pessoas sem senso de humor. Depois disso eu os desprezei com todas as fibras do meu ser. E eu até pensei que o filme daquele drogado, como é que chama? [Alguém da platéia diz O grande Lebowski] Sim, mesmo esse – bom, eu sei que todos nós amamos Jeff Bridges e coisas do tipo – mas ficou cansativo muito rapidamente. Depois resta apenas a inutilidade de muitos filmes. Eu sou um grande fã de Cormac McCarthy. Acho que Cormac McCarthy é um gênio, mas pensei que o livro Onde os velhos não tem vez fosse basicamente um livro de criança, sério, porque tinha essas atitudes infantis com a violência. Assim, estranhamente, me pareceu que seria um filme de sucesso, de uma certa forma. Me parece que eles são cineastas infantis. E, em seguida, o remake de Bravura indômita. Pareceu completamente inútil para mim.

Sullivan: E sobre Arizona nunca mais?

Dyer: É indescritível ... [Risos]

Sullivan: Satisfatoriamente chocante é o que você está dizendo? Mas ele está falando sobre os pijamas. Quando os policiais estão pedindo ao pai que teve seu filho sequestrado para descrever o pijama e ele diz: "Eu não sei, tinham Yodas e uma merda. Eles estavam de pijama". Vamos, isso é genial.

Dyer: Eu não sei, pode ser. Não me lembro totalmente de Arizona nunca mais, esse é o problema. Tudo o que lembro é a veemência de minha própria aversão a ele.

Sullivan: Isso é o que nos faz ensaístas. Sua reação supera a realidade, por isso escrevemos sobre as reações.

Dyer: Uma das personagens que você retratada de forma comovente (em "Sobre este rock") é esse cara, Pee Wee. Na dedicatória ele morre em 2007. Você poderia nos contar o que aconteceu?

Sullivan: Sim. Foi terrível. Ele era muito jovem quando eu o conheci e ainda muito jovem quando morreu. Ele começou a trabalhar na segurança da ferrovia. Isso é o que me contaram, porque mantive contato por um ano com um cara dessa banda maluca Christians que acabei saindo com eles por aí. Ele disse que Pee Wee tinha conseguido um emprego na ferrovia para carregar grandes peças de equipamento de entrada e saída dos trilhos, e, um dia, uma dessas peças caiu sobre ele. Não foi, aparentemente, uma coisa incomum. O grupo de rapazes estava confuso com o que aconteceu e acho que como consequência se afastaram. Ele era uma espécie de cola nessa banda.

Dyer: O trecho que eu estava procurando, John, é anterior. É uma dessas coisas que acontecem. Obviamente, eu li seu livro depois que terminei o meu e essa descrição aqui desses Christians com quem você estava saindo: "Eles estavam aceitando todo o tipo de estranheza e tiveram aquela iluminação que as pessoas que estão buscando algo maior emitem”. E se eu tivesse que ler – essa é exatamente a luz que o stalker emite, não é? Aquele olhar radiante que ele tem apesar de sua abjeção. Eu digo "apesar de", mas é claro que é absolutamente embrulhado em sua miséria e abjeção. Quando você está escrevendo histórias sobre pessoas, isso é algo que você está sempre procurando neles? Algum tipo de luz como essa? Mesmo Bunny Wailer tem um tipo de jeito maldito?

Sullivan: Sim, acho que sim. Depende muito da idade da personagem quando você as encontra ou onde elas estão em suas vidas, porque a luz também pode se transformar numa espécie de trevas. Mas seja o que for, uma separação, uma devoção a algo que faz com que o seu destino de se tornar pervertido de alguma maneira está relacionado ao que poderia ter sido ou ao destino de pessoas ao seu redor. Eu sigo como uma bússola para pessoas como essas.

Dyer: Qual é aquela linda frase que você usa no ensaio do Sr. Lytle? Aquela descrição do sul – vocês estavam sob "o trágico feitiço do sul". E você acha que há uma chance maior de encontrar pessoas assim no sul?

Sullivan: Uma grande chance de encontrá-las. [Risos] Tenho a chave. Provavelmente todo mundo tem uma vista para qual estão encaminhados. Eles parecem surgir para mim quando vou até lá. Muitas vezes na minha própria família.

Vou ler uma coisa de Zona - uma frase. Sinto muito. Não há nenhum outro escritor na terra que tenha feito essa observação, para mim é apenas uma pequena gota destilada de Geoff Dyer. Na Zona, o telefone toca e você faz uma observação de que isso poderia acontecer também em Stalingrado como se os soldados estivessem escolhendo pela devastação, coisas estranhas como essa poderiam acontecer: um telefone poderia tocar, ou poderiam encontrar alguém fazendo café da manhã. Algo normal e aparentemente civilizado.

Diz: "[O telefone tem] um discador rotativo, assim esta sucessão acrescentou fascínio como arqueologia gestual. Em termos evolutivos o dedo indicador teve um longo período de domínio na era do telefone de disco, mas essa ação está agora perto da extinção. O dedo indicador está entrando em uma fase de quietude e desuso, enquanto o polegar desfruta um renascimento na idade de mensagens de texto e celulares”. [Risos]

Estamos rindo e tem humor, mas também é morto. Eu não sei como você consegue fazer isso.

Dyer: Eu tive um celular muito tarde. Quando eu tive notei que...

Sullivan: O polegar estava doendo?


Dyer: É um exemplo desse tipo de coisa – nós começamos falando sobre coisas embaraçosas. Coloque uma pequena observação que soa verdadeira para você e as chances aparecem. Quanto mais estúpida for a observação maior a chance de outras pessoas terem notado algo similar.

A conversa acima foi originalmente postada pelo blog Work in Progress da editora FSG e traduzida com autorização deles.

*Imagem: divulgação.

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OS ESCRITORES ESTÃO CHEGANDO


Nessa semana vai ser difícil fugir da FLIP. Por isso, não estranhe se uma enxurrada de textos ligados ao assunto pintarem por aqui. Vem comigo que no caminho eu te explico.

Começo falando sobre o escritor Michel Houellebecq que pela segunda vez cancelou sua participação na Festa alegando motivos pessoais. Na minha opinião, a participação dele fazia mais sentido na edição de 2011 quando tinha ganhado o Prix Goncourt por O mapa e o território. Seja como for, não deixa de ser uma pena! Seria interessante ver como se comporta ao vivo um escritor premiado que desperta amor e ódio por onde passa. As chances de um convite para outras edições devem diminuir depois disso.

Para os interessados nos eventos paralelos a programação principal vale ficar de olho na FlipMais, Casa Folha e Casa do IMS. Embora tímida, a FlipMais reserva duas boas mesas sobre tradução literária (um assunto que merece muita atenção): "O autor e seu tradutor" terá Michel Laub, Dominique Nédellec, Ronaldo Wrobel e Vincenzo Barca, respectivamente autores e seus tradutores, conversando sobre a tradução de suas obras para outras línguas; "Traduzir Flaubert" com Lydia Davis e Samuel Titan Jr. tradutores de Gustave Flaubert. A Casa Folha terá bons momentos com o cartunista Laerte, o poeta Ferreira Gullar e o norueguês Karl Ove Knausgård. A Casa do IMS terá um espaço reservado para os amantes da prosa de ficção com encontros abertos ao público para a gravação de programação da Rádio Batuta:

No dia 4 de julho, Bráulio Tavares fala sobre o escritor José Agrippino de Paula e Milton Hatoum conversa sobre A linha de sombra, de Joseph Conrad. No dia 5 de julho, Paulo Scott conversa sobre A náusea, de Jean-Paul Sartre, Lila Azam Zanganeh fala sobre Ada ou Ardor, de Vladimir Nabokov (o livro está fora de catálogo e merece uma reedição - alô, Alfaguara) e Adriana Calcanhotto fala sobre o escritor Mario Quintana. No dia 6 de julho, Daniel Galera conversa sobre A travessia, de Cormac McCarthy, Nelson Pereira dos Santos sala sobre a cachorra Baleia - do livro Vidas secas, de Graciliano Ramos - e Zuca Sardan e Chico Alvim falam sobre as personagens de seus livros. Todas as conversas serão disponibilizadas no site www.radiobatuta.com.br.

De sobra, a Casa do IMS ainda recebe uma exposição do fotógrafo David Drew Zingg e lançamento de uma coleção de DVDs com os filmes baseados na obra de Graciliano Ramos: Vidas secas, Memórias do cárcere e São Bernardo.

A editora Rocco também contará com uma casa, mas não terá uma programação
especial. Segundo a coluna Babel, do Estadão, a editora Record também terá uma casa na Flip - sem uma programação especial divulgada.

*Imagem: reprodução do Twitter da FLIP.
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