segunda-feira, 30 de abril de 2012

PARA ENTENDER THOMAS PYNCHON

"Um grito atravessa o céu .
Isso já aconteceu antes, mas nada que se compare com esta vez."
O arco-íris da gravidade.

“Agora, reduzir todo o cordame!”
“Ânimo... com jeito... muito bem! Preparar para zarpar!”
“Cidade dos Ventos, lá vamos nós!”
Contra o dia.



Acabou de sair pela Companhia das Letras Contra o dia, escrito por Thomas Pynchon em 2006. Fui até uma livraria conferir um exemplar de perto, afinal não existe e-book nenhum páreo para a experiência material de ter um livro como esse nas mãos. Ainda mais quando a gente se dá conta de que ele tem impressionantes 1088 páginas que pesam exatamente 141700 kg (não tive como pesar o exemplar na livraria, peguei a informação no site). É uma espécie de monolito (como aquele do filme 2001 - Uma odisséia no espaço) no meio das estantes. Não só pelo tamanho, mas pelo significado que ninguém consegue explicar por mais que se tente.

Nesse caso, cabe ao leitor se aventurar pelo árduo universo pynchoniano a fim de arrancar ou construir algum sentido. Para não atravessar sozinho esse deserto, preparei uma compilação com as resenhas de Contra o dia que eu consegui encontrar nas revitas e nos jornais - parece que nos blogs foi meio ignorado, apesar de Pynchon ter uma verdadeira legião de fãs na internet.

A nova conspiração de Pynchon - Revista Época
O que Groucho Marx tem a ver com Faroeste? - Revista Bravo! (resenha assinada por Antônio Xerxenesky - um fanático por Pynchon, sobretudo por Contra o dia)
Paródias Arquitetônicas - Estadão
Homem difícil - Folha de SP (via Conteúdo Livre)

Tem também uma nota na revista Veja - apenas disponível na edição digital no site.

***

Ainda não li Contra o dia porque ainda nem comprei (cof!). Perdi uma promoção de lançamento com desconto de 20%, fato que lamentei imensamente para o vendedor da livraria. Como ele não me deu o desconto e a promoção ainda não tem previsão de retorno, resolvi esperar.

Seja como for, sei do mito em torno de Thomas Pynchon e acho muito curioso que um dos mais importantes escritores norte-americanos do século XX seja ao mesmo tempo tão cultuado e tão impopular. Não é algo gratuito, existem algumas explicações para o fato: os livros são herméticos, tem muitas referências obscuras, enredos complexos e repletos de "exercícios" de linguagem. Há um Pynchon mais simples, claro! Como aponta Xerxenesky V. (1963), Vineland (1990) e Vício inerente (2009) são mais palatáveis - os dois primeiros estão esgotados e o último acabou de sair também pela Cia das Letras.

A tradução foi feita por Paulo Henriques Britto que, segundo li, manteve contato direto com Pynchon para sanar algumas eventuais dúvidas de tradução. Acho importante comentar isso porque Pynchon não é muito dado a aparições públicas, nunca concede entrevistas e vive escondido por Nova York. Guardadas as devidas proporções, é quase um Dalton Trevisan flanando por Curitiba.

Se bem que ele flerta com o universo pop. Dizem que dublou a si mesmo num episódio dos Simpsons e também dublou o trailer de Vício inerente.

***

Contra o dia parece que está páreo a páreo com O arco-íris da gravidade (em tamanho e em complexidade). Aliás, André de Leones e Xerxenesky organizaram um programa da Rádio Batura (IMS) comentando O arco-íris. O mesmo livro será analisado em agosto num curso ministrado por Ricardo Lísias só com romances longos. Quem ficou interessado em Pynchon e quer saber mais sobre o cara pode ficar de olho no programa e no curso.

Tem um trecho de Contra o dia disponível aqui.

*Imagem: divulgação.
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LE CONDOTTIÈRRE OU O COMANDANTE GEORGES PEREC

Em janeiro comentei algumas efemérides importantes que serão comemoradas nesse ano. Não sei porque razão esqueci completamente de incluir na minha lista os 30 anos sem Georges Perec - ele faleceu em 3 de março de 1982. Só me dei conta quando a Companhia das Letras lançou As coisas (primeiro romance publicado por Perec que estava inédito em português) e quando li uma resenha de Kelvin Falcão Klein falando rapidamente sobre um lançamento póstumo inédito na França - resenha do Prosa&Verso, no jornal O Globo.

Na verdade, depois que li a notícia fiquei ocupado com o ensaio fotográfico baseado em
As coisas. Depois pintou um monte de coisas para fazer que acabei arrumando tempo só agora.

O romance chama Le Condottière. Foi escrito entre 1957 e 1960 - anos antes de As coisas ser publicado - Perec enviou o manuscrito para a Éditions du Seuil, mas o romance foi recusado. Uma outra tentativa de publicação pela Gallimard também resultou frustrada e ele decidiu engavetar o romance. Um manuscrito original (datado de 1966) datilografado em cópia carbono foi encontrado em 1992 por David Bellos - biógrafo, tradutor e grande estudioso de Perec. Pode parecer ironia, mas a editora que recusou o romance no passado decidiu publicá-lo agora.

Le Condottière conta a história de um falsificador de arte chamado Gaspard Winckler que tenta incansavelmente fazer um falso Le Condottière, pintura de Antonello da Messina datada de 1475 (se não estou engando a pintura é conhecida como O comandante - alguém confirma?). Gaspard faz isso a pedido de um certo Anatole Madera que ele assassina logo nas primeiras frases. É o mesmo Gaspard Winckler que aparece em W ou A memória da infância e A vida modo de usar - só que numa versão aparentemente mais sinistra.

A imprensa francesa recebeu o romance com entusiasmo. Se você sabe francês pode se aventurar com um trecho inicial do romance aqui.

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Não custa repetir que na terceira edição do fanzine tem um ensaio bastante explicativo sobre Georges Perec e sua obra. Vale a pena dar uma olhada.

*Imagem: reprodução.
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TREVO - REVISTA DE FICÇÃO

Uma nova revista de ficção vai pintar em breve na internet. Se fosse dez anos atrás a notícia causaria certo espanto e passaria despercebida - para não dizer desacreditada - por muita gente. Mas como todo mundo sabe a ficção (incluindo as resenhas, artigos e ensaios voltados ao tema) está sumindo das mídias impressas e ganhando muito terreno na internet. Portanto, nós vamos saldar com muita naturalidade a chegada da revista TREVO.

O pessoal do blog Sete Doses (Thiago Kaczuroski e André Toso - o blog Sete Doses virou livro e deixou de existir) junto com o designer Lex Designo estão por trás do projeto. A revista será bimestral só com textos de ficção de novos autores e distribuição gratuita na internet em formato folheável no site, versão PDF para tablets, versão Kindle e uma versão só de texto para quem quiser imprimir ou ler no celular. O primeiro número não terá um tema específico, deverá sair com 6 ou 8 textos de ficção inéditos e ilustrações assinadas por Mariana Lúcio.

Quem ficou interessado pode acompanhar novidades nessa fanpage do Facebook.

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sexta-feira, 27 de abril de 2012

UMA CONVERSA COM ELIF BATUMAN

Não existe muitas gente situada entre o universo da academia e do jornalismo com tanta facilidade e bom humor como Elif Batuman. Uma escritora turco-americano que recentemente ganhou fama narrando suas aventuras como doutorando em Literatura Comparada na Universidade de Stanford em seu primeiro livro, Os possessos - Aventuras com os livros russos e seus leitores. O livro é uma coletânea de ensaios sobre viagem, leitura, conferências acadêmicas, problemas de relacionamento e a antiga União Soviética. Ela continua escrevendo artigos prolificamente para revistas – no ano passado sua assinatura apareceu na London Review of Books, Paris Review, New Yorker, n +1 e New York Times, para citar algumas. Eu comecei a ficar de olho nos seus textos depois de ler Os possessos que me fez gargalhar tantas vezes que acabei tendo de ler em voz alta para quem estava a minha volta. Nas mãos de Batuman parece quase natural que uma conferência sobre Isaac Bábel pode deixar você rindo e chorando.

Deixando o humor de lado, é revigorante ter alguém jovem, inteligente e divertido que está chamando a atenção simplesmente por escrever sobre o quanto gosta de livros. Os possessos conclui: “Se eu pudesse recomeçar hoje, escolheria novamente a literatura. Se as respostas existem no mundo ou no universo, eu continuo achando que esse é o lugar onde nós vamos encontrá-las”. Depois de terminar Os possessos fiquei quase convencida a correr para um doutorado em literatura e imagino que eu não seja a única.

Eu tive sorte o suficiente de passar algum tempo com Batuman na Universidade de Koç, nos arredores de Istambul, onde ela é atualmente uma escritora em residência. Nós conversamos sobre seus planos para o próximo livro, seus pensamentos sobre a ficção contemporânea e o que é exatamente tão engraçado na academia.

No que você está trabalhando?

Pela primeira vez eu tenho um contrato com a New Yorker – ao invés de ser freelancer. É diferente porque eles me ajudam propondo idéias, ao invés de me jogar ou forçar algo. O último texto que escrevi para eles era sobre a fanática cultura do futebol, que não é uma história que eu teria proposto por minha própria conta. Foi interessante fazer algo assim, algo fora de minha zona de conforto e também fora da minha zona de interesse. Mas é uma cultura complicada e alguma coisa nisso sempre vai ser interessante se você se forçar a descobrir alguma coisa a mais.

Eu não tenho tido tempo para começar um outro livro. Tenho algumas idéias que gostaria de explorar. Até o momento de conseguir contrato para o primeiro livro, cerca de metade dos meus ensaios já tinham sido publicados. Eu não tive a experiência de sentar e escrever um livro a partir do zero. Quero brincar mais com ficção e não-ficção. Na verdade, eu queria que Os possessos fosse ficção para que eu pudesse tomar mais liberdades. Mas como é baseado em coisas verdadeiras havia muita pressão para que fosse não-ficção e quando é o seu primeiro livro você tem de fazer o que lhe dizem para fazer.

Você tem planos mais concretos para o próximo livro?

Bom, eu estive pensando sobre como muitos dos escritores que eu conheço são incrivelmente bons escrevendo e-mail e muitas vezes eu acho seus e-mails mais atraentes do que as coisas que eles escrevem nos livros. Está ligado a essa coisa que eu citei sobre Tchekhov em Os possessos, sobre como todo mundo tem duas vidas uma aberta, conhecida por todos, e outra desconhecida, acontecendo em segredo. O e-mail é um tipo de vida desconhecida enquanto os textos publicados são a vida conhecida. Isso é algo que eu tentei fazer em Os possessos, especialmente no capítulo "Palácio de gelo". Eu aproveitei o texto que escrevi para a New Yorker e tentei completá-lo com a dimensão humana que não tinha aparecido na revista. Eu quero resgatar algumas das coisas que escrevi e preencher com a história pessoal que as contextualiza. Do contrário, você tem uma jornalista nova-iorquina, uma diletante profissional, que está apenas indo de coisa em coisa e nenhuma delas está ligada as outras. Quando você tem sorte o suficiente para gostar do seu trabalho é uma parte enorme do seu pensamento. E uma das coisas que eu gosto no romance clássico é que ele mostra todas as camadas de pensamento que as pessoas têm; seus trabalhos, casamentos, amigos e os pensamentos sobre política está tudo entrelaçado. Mas eu quero escrever mais sobre sexo neste próximo livro; acho que sexo é um problema muito grande que as pessoas não conhecem o suficiente. E eu não fui capaz de fazer isso em Os possessos porque era não-ficção.

Então um livro de ficção vai expor mais sobre sua vida pessoal?

Sim. É tão estranho para mim que a primeira maneira pela qual você classifica um escritor ou um livro seja ficção contra não-ficção. Como podem ser essas as categorias mais importantes? Não faz nenhum sentido. É muito claro que, como em Um milhão de pedacinhos, se você escreve um livro de ficção e o chama de não-ficção existem todos os tipos de problemas. Mas qual é o problema se você escreve um livro não-ficção e o chama de ficção? Isso era o que os romancistas faziam até 75 ou 100 anos atrás. Hoje é como se você esperasse a ficção para inventar tudo isso que algumas pessoas fazem. Por exemplo, eu acho que Jonathan Franzen realmente tira todas aquelas coisas da cabeça, o que é incrível. Mas esse não é o tipo de escritor que eu sou, não é um bom aproveitamento do meu tempo para inventar coisas.

Falando em Jonathan Franzen, você escreveu um artigo na London Review of Books um tempo atrás que era muito crítico sobre a ficção contemporânea. Mas você também disse em entrevistas que você gosta de Franzen, bem como de outros escritores, e recentemente escreveu um artigo muito elogioso sobre o novo livro de Jennifer Egan, A visita cruel do tempo. Você consegue definir o que esses escritores estão fazendo que supere o que você vê como armadilhas da ficção contemporânea em geral?

Liberdade não tem muitas das características que eu associo com oficina de ficção. Ele manteve um pequeno número de personagens e entrou nessas personagens completamente. Não houve criação exagerada de nostalgia a partir do nada. O diálogo era muito bom e não havia um grande número de personagens menores para acompanhar. Era sobre como conciliar o sexo com algum tipo de vida diária – uma questão sobre a qual tenho pensado bastante. Um monte de pensamento e angústia entra no pensamento por esse problema. Você encontra angústia no que eu penso como oficina de ficção, mas há uma suposição de que todos já compartilham essa angústia e sabem o que é e é realmente irônico. Mas ele realmente fez o trabalho de campo e mostrou o que é tão terrível em todas as coisas.

O livro de Jennifer Egan tinha um monte de características do que eu normalmente considero como oficina de ficção ou contos da New Yorker e demorei um pouco para entrar no livro. O enredo sempre introduz aqueles personagens com nomes estúpidos e idiossincrasias estúpidas. Eles estão vivendo aquela vida deprimente e sem sentido que não parece que estão sendo investigados. De repente, de alguma maneira estas pequenas histórias, onde as falhas das personagens seriam tão próximas do que elas são no ser humano, se reúnem e ressoam de uma forma muito brilhante. De certa forma eu acho que é um livro muito mais interessante e formalmente radical do que Liberdade. Será interessante ver o que ela vai fazer em seguida. As pessoas tem feito romance através de contos ou um ciclo de contos faz algum tempo, não foi ela que inventou isso. Mas acho que ela fez algo realmente diferente com isso. Ela começou escrevendo uma história sobre o tempo, para escrever um livro de contos no estilo de Proust e foi o que ela fez . Há algo afirmativo em ver uma grande ambição bem executada e bem sucedida.

Seu livro tem um monte de ensaios muito engraçados sobre conferências acadêmicas, como "Babel na Califórnia". Você acha possível encontrar uma grande quantidade de comédia numa bolsa de estudo em literatura russa ou você consegue esse mesmo tipo de história em qualquer disciplina?

Eu me pergunto muito sobre isso. Não tenho certeza porque não passei muito tempo em outras disciplinas. Meu palpite é que você pode encontrar histórias engraçadas em qualquer disciplina. Mas muito do que me atraiu para a literatura russa era que uma mesma coisa é engraçado e triste ao mesmo tempo. Não é como Dickens, onde algumas coisas são coisas incrivelmente engraçadas e outras melodramáticas, trágicas. As coisas são engraçadas desta maneira melancólica. Você vira o objeto e vê o lado engraçado disso. As pessoas que vão estudar literatura russa estão particularmente sintonizadas com isso, então acho que é possível que coisas especialmente engraçadas aconteçam.

Mas no meu conhecimento todos os acadêmicos são muito engraçados. Eles são todos marginalizados da vida real de alguma maneira e todos são conscientes disso. Eles são muito auto-reflexivos e onde há auto-reflexão e amplitude de leitura tende a haver humor. Não é uma regra fixa. Você encontra muitos acadêmicos sem humor, especialmente em outros países e nas gerações mais velhas. Mas os acadêmicos americanos têm um bom senso de humor e não são tão inibidos. Se querem fazer algo louco eles seguem em frente e fazem.

Mas a academia literária é engraçada, especialmente o estudos do romance. O romance tem tudo a ver com essa disjunção cômica entre os livros e a realidade. Como você poderia ter um emprego que incorpora isso senão sendo um estudante do romance? Você está no mundo como pessoa, mas seu trabalho é estudar. É uma situação muito cômica, mas também triste. Como o romance russo é triste e engraçado ao mesmo tempo.

Em Os possessos você descreve um aluno simplesmente como alguém que estudou "narradores não confiáveis". Descrever as pessoas só dessa forma, por algo muito específico a que elas tem dedicado suas vidas a estudar, é muito engraçado - e também trágico.

Sim, isso ainda é perfeitamente verdade. Até que você pensa em colocá-los nesses termos é perfeitamente normal. Todo mundo tem uma especialidade. Mas quando você pensa em responder à pergunta "O que você faz da vida?" Uma resposta do tipo "Eu estudo esta doença das células brancas do sangue" ou "eu estudo narração inverossímil" é muito engraçada.

Um cara numa mesa sobre Dostoievski em que eu estive recentemente falava sobre como você não pode acreditar no que diz o homem subterrâneo de Dostoievski porque ele é a única pessoa a que você tem acesso e você não sabe se aquilo é verdade ou não. De repente alguém na platéia disse: "Claro! Desse ponto de vista é muito semelhante a Erasmo, porque você não pode dizer o que é a verdade!" Foi como se eles descobrissem a narração inverossímil ali mesmo na frente dos meus olhos. Foi completamente estranho. Toda a cultura literária na Turquia é estranha porque todo mundo é assim generalista.

Como tem sido viver em Istambul? O que você tem pensado e escrito sobre a cidade?

Eu não sinto como se estivesse vivendo em Istambul porque estou neste escritório o tempo todo. Eu trabalho aqui até tarde, perco o ônibus e depois vou a pé para casa por essa floresta por 25 minutos. Eu me sinto mais como se estivesse vivendo no país dos esquilos do que no país do povo turco. Não vou muito ao centro da cidade. Quando terminar minha residência eu quero mudar para o centro de algum lugar. Eu tenho alguns amigos e pessoas que conheço que estão na cena literária e parece que coisas interessantes estão acontecendo. E mesmo que coisas interessantes não estejam acontecendo, as pessoas pensam que coisas interessantes estão acontecendo. Na Rússia, as pessoas pensam que o tempo bom ficou para trás. Jornalistas estão sendo tratados como lixo, o clima está ficando feio, muito feio e o buraco entre ricos e pobres é cada vez maior. Comparado com isso, a Turquia parece ser um lugar onde as pessoas ainda são otimistas com literatura e cultura e gostaria de saber sobre o que eles estão otimistas.

Você tem algum conselho para alguém que quer ser escritor?

Para mim, [escrever] é desativar o censor que diz que você está escrevendo algo ruim, portanto pare de escrever. É como ir ao ginásio. Uma vez que você ir para o ginásio você nunca lamenta que você foi para lá. Uma vez que você senta e escreve, mesmo que você diga que o que você está escrevendo é ruim e não o está levando a lugar nenhum, o ato cognitivo de mexer em frases está fazendo de você um escritor melhor. Você só tem que lembrar disso e não se censurar. Ao escrever não-ficção teve um monte de vezes que imaginei várias vozes de pessoas irritantes na minha cabeça que ficariam ofendidas ou irritadas porque eu tinha escrito isso ou aquilo. Aprender a desligar isso era útil num sentido amplo. Você tem que ter certeza que é só você e a tela do computador e que outras pessoas só vão entrar naquilo mais tarde.

O outro lado disso é que também é muito útil pensar em seu texto como algo que você está contando para alguém. Um dos meus livros favoritos que li recentemente é Gilead, de Marilynne Robinson, porque foi escrito em forma de cartas. Isso me fez lembrar de um livro para crianças que eu li e reli, em Nova York, quando estava visitando minha mãe, From The Mixed up Files of Mrs. Basil E. Frankweiler, de EL Konigsburg. É escrito pela Senhora Basil E. Frankweiler, dela para o seu procurador, nomeando as disposições que têm de ser feitas em sua vontade. Mas na verdade é a história dos netos do procurador que fugiram de casa para ficar no Metropolitan Museum a fim de resolverem um mistério artístico. Foi escrito para uma pessoa muito particular, da mesma maneira que Gilead é escrito para uma pessoa muito particular. Eu acho que é uma convenção arbitrária para escrever para o público. Mesmo quando você tem um livro que é escrito em primeira pessoa, quem está realmente escrevendo para o público? Eu pensei que isso estava restaurando um componente muito importante perdido da escrita, escrever para uma pessoa específica. Tenho pensado mais nisso. É algo que meu editor me disse quando estava trabalhando em Os possessos. Ele disse: "Eu acho que você deveria escrever isso para minha mãe. Minha mãe ama esse livro, mas ela não sabe que adora. Se você continuar usando palavras como ‘sobre-determinada’, ela nunca vai saber que adora”. Tratava-se de tirar o jargão sem retirar a teoria ou deixar estúpido. Foi algo realmente útil.

Atualmente a literatura russa ocupa uma grande parte da sua vida, cultura e escrita. Você acha que nunca vai se cansar de literatura russa?

Sim! Claro que acho que vou. Quando você escreve e promove um livro, você não é especialista em nada exceto em ter escrito aquele livro. No meu caso era um livro muito pequeno e idiossincrático que não tinha um conhecimento enciclopédico de muito coisa, mas os livros têm que torná-lo um especialista em alguma coisa. Você entra neste circuito de festivais e eu estava em todos esses painéis sobre a Rússia com Sheila Fitzpatrick, Pavel Basinski e essas feras dos estudos eslavos. Sendo assim, imagino que o meu próximo livro não vai ter muito a ver com literatura russa e depois haverá outra fresta para me encaixar. Não acho que eu vá fundo como uma especialista em literatura russa por muito mais tempo.

Os possessos - Aventuras com os livros russos e seus leitores
Elif Batuman
Editora Leya
344 páginas











Esta conversa foi publicada originalmente no blog Full Stop em 14 de dezembro de 2011. Reprodução e tradução para o português com permissão do blog.

*Imagens: retrato de Elif Batuman reprodução e capa do livro divulgação.
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terça-feira, 24 de abril de 2012

ENSAIO VISUAL - AS COISAS, DE GEORGES PEREC

Sou um verdadeiro fã dos "Gabinete de Curiosidades" que a Mariana Newlands criou para o blog do IMS. Como não posso ter a Mariana por aqui, criei um ensaio visual para o livro As coisas, de Georges Perec inspirado pelo Gabinete... são fotos de propagandas publicitárias dos anos 60, trechos do livro, objetos, uma entrevista e trilha sonora sugerida.






















Uma entrevista com Georges Perec - http://youtu.be/GcjzsBL7OIg

Trilha sugerida: Serge Gainsbourg, Requiem pour un con - http://youtu.be/ELxr5asAe-4

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segunda-feira, 23 de abril de 2012

MANUEL DA COSTA PINTO, JOCA REINERS TERRON, CÉSAR AIRA E OS BLOGS


Tem final de semana que a gente não quer sair de casa - não sei no restante do Brasil, mas em São Paulo fez frio, teve chuva e garoa (nada mais paulistano do que isso!). Por essas e outras nosso querido Manuel da Costa Pinto deve ter criado na revista sãopaulo (aquela que acompanha a Folha de SP no domingo) uma coluna chamada "Fique em casa". No último número ele recomendou o livro Os possessos, de Elif Batuman, a doutora em literatura que arrancou elogios de um monte de gente importante. Manuel, num texto bem legal, elogiou as qualidades da moça e falou sobre muitas coisas: um mergulhou no riacho onde Tchékhov tomava banhou, "desejo mimético", teoria girardinana etc. Só que em determinado momento ele diz o seguinte:

À primeira vista, nada parece menos "aventuresco" do que o cotidiano de um campus universitário, que poderia render, na melhor das hipóteses, uma boa tese e, na pior, um blog ou uma página no Facebook.

A frase tem um tom de provocação ao dizer que os blogs não passam de um lugar onde se manifesta a mais pura "banalidade confessional". Evidentemente a internet está infestada de coisas desse tipo - não sou eu quem diz isso, mas o mundo inteiro - no entanto, os blogs também são lugares onde aparece a teoria despretensiosamente erudita (não vou citar nenhum, mas eles existem; aliás, o Manuel poderia recomendar algum para esses dias em que a gente fica em casa e quer perder um tempinho na internet). No mais, os blogs também cumprem uma função importante de transmissão de informações para quem está procurando.

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Não fosse pelos blogs a gente jamais saberia como foi o encontro de Joca Reiners Terron com César Aira na Festa da Literatura de Porto Alegre - FESTIPOA. Coisa da maior importância considerando que Aira é um dos escritores mais importantes da literatura argentina e passa em longe das traduções para o português. Deve ter dois ou três livros lançados no Brasil, mesmo tendo participado de um evento do porte da FLIP, em 2007 - por aqui saíram Pequeno manual de procedimentos, As noites de Flores e Um acontecimento na vida do pintor-viajante.

O encontro deveria ter a participação de Sérgio Sant'Anna, mas ele não pode participar por questões de saúde. Joca e Aira falaram sobre literatura brasileira (o argentino gosta de Guimarães Rosa, João Gilberto Noll e Sérgio Sant'Anna), índios (espécie de obsessão do autor em suas novelas), processo de criação e a morte da novela (como gênero literário).

Tá tudo bem explicadinho no blog Coordenação do livro e literatura (inclusive copiei a foto de lá).

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Sobre as poucas traduções de César Aira para o português Joca me disse (pelo twitter) que "é difícil escolher o que publicar numa obra tão vasta e irregular" como a dele - Aira tem mais de quarenta novelas publicadas. Para sanar um pouco da nossa falta, a editora Rocco deverá publicar Como me hice monja e La costurera y el viento.

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Para quem ficou interessado, na segunda edição do fanzine "Casmurros" tem uma entrevista com César Aira.

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Quero ler o livro da Elif Batuman quando pintar um tempo. Depois, mimetizando autor e obra, conto como foi.

*Imagem: reprodução do blog Coordenação do livro e literatura.

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quarta-feira, 18 de abril de 2012

NOTAS #36


Romance a caminho
Assim vai ser a capa do novo romance de Zadie Smith que chega às livrarias inglesas em setembro e vai se chamar NW. A história se passa em Caldwell, um conjunto habitacional localizado em Willesden na área noroeste de Londres - o NW do título vem de North West, nome em inglês dessa parte da cidade. Zadie Smith nasceu em Willesden, por isso conhece tão profundamente a história do lugar. Ela tinha explorado o mesmo bairro em Dentes brancos, seu romance de estréia lançado por aqui em 2003 pela Companhia das Letras. NW será o quarto romance de Zadie - quase sete anos depois de Sobre a beleza.

Trevas ilustradas
Muito gente deve ter ouvido falar de Matt Kish por causa de uma tarefa hérculea: fazer um desenho para cada página de Moby Dick, de Herman Melville (falei do cara aqui). O trabalho inteiro levou dois anos para ficar pronto e o resultado final foi tão bacana que ganhou uma versão em livro impresso. No mês passado, Kish anunciou que seu próximo trabalho será criar 100 ilustrações para uma nova edição do clássico Coração das trevas, de Joseph Conrad. O livro será lançado nos Estados Unidos pela editora Tin House em outubro de 2013.

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Os desenhos de Coração das trevas não serão publicados integralmente no blog de Kish - ao contrário do que aconteceu com o projeto Moby Dick. O autor promete divulgar mais ou menos 30 desenhos conforme o andamento do trabalho.

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Como aperitivo para os curiosos, Kish publicou duas ilustrações que devem integrar uma antologia bem bacana chamada The Graphic Canon - Volume 3 (com lançamento nos Estados Unidos previsto para o segundo semestre desse ano). O grande barato dessa antologia é fazer uma releitura em desenhos do canône literário desde século XIX até primeira década do século XXI. O volume 1 vai de Gilgamesh até Ligações perigosas; o volume 2 vai de Orgulho e preconceito até O médico e o monstro; e o volume 3 vai de Coração das trevas até Infinite Jest. Dica para alguma editora brasileira que esteja interessa em publicar ilustrações, quadrinhos etc.

Madrugadas literárias
Na quinta-feira acontece a inauguração do Espaço Cultural Walden - fica em SP na Praça da República, bem perto do cruzamento da São Luís com a Ipiranga. O lugar nasce com uma certa vocação literária com festas agendadas para abril tendo Dw Ribatski e Bumbo Caixa, seu projeto sonoro. Em maio, João Paulo Cuenca aparece para um after-party do lançamento de A última madrugada - seu livro de crônicas que sai mês que vem pela Leya. Vamos combinar que ninguém é de ferro e todo mundo que gosta de literatura também gosta de uma boa festa.

Barba e bigode
Um novo comportamento social está ressurgindo entre os homens: a barba e o bigode. Foi pensando nisso que o pessoal da Estamparia Literária criou uma linha de produtos inteiramente dedicada a essa tendência. Tem marcador de página, caderneta, bloco de notas e bolsa, todos inspirados em grandes autores da literatura universal. Tem William Faulkner, Eça de Queiroz, Aluísio Azevedo, Fernando Pessoa, Ezra Pound, Edgar Allan Poe, Marcel Proust e Gustave Flaubert.

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Quero fazer a minha contribuição e recomendar ao pessoal que faça uma lista inspirada nas barbas e nos bigodes dos clássicos russos Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstoi e Anton Tchekhov. Ou então nos norte-americanos Kurt Vonnegut, Ernest Hemingway e Mark Twain. Quem sabe ainda nos escritores do Reino Unido James Joyce (aproveitem o Bloomsday em junho), Arthur Conan Doyle, George Orwell, Salman Rushdie, D.H. Lawrence e Joseph Conrad. Pode ter uma versão realismo mágico de Gabriel García Márquez ou fantástica à lá Julio Cortázar. Quem sabe uma linha totalmente nacional inspirada nas barbas e bigodes de Machado de Assis, José de Alencar, Jorge Amado, Bernardo Guimarães, Manuel Antônio de Almeida, Raul Pompéia, Monteiro Lobato e Euclides da Cunha.

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Alguém me soprou algumas sugestões de autores brasileiros contemporâneos: Daniel Galera, Paulo Scott, João Paulo Cuenca e Joca Reiners Terron, Michel Laub e Daniel Pellizzari.

Pós-modernos
Parodiando Drummond com todo o respeito: "E como ficou chato ser eterno. Agora serei pós-moderno". Uma lista de livros pós-modernos pintou outro dia no Flavorwire. Fiquei impressionado com a quantidade de ficção pós-moderna norte-americana que está passando ao largo das traduções em português. De dez livros, sete estão inéditos por aqui: The Recognitions, de William Gaddis (que acabou de ganhar uma nova edição nos Estados Unidos); Infinite Jest, de David Foster Wallace (vai sair pela Companhia das Letras, mas ainda não tem previsão); Sixty Stories, de Donald Barthelme (dele encontrei apenas um livro publicado no Brasil em 1975, Vida de cidade pela Artenova); House of Leaves, de Mark Z. Danielewski; Wittgenstein’s Mistress, de David Markson (dele a revista Serrote publicou um excerto de Isto não é um romance); Blood and Guts in High School, de Kathy Acker; e The Sot-Weed Factor, de John Barth (dele já saiu por aqui Ópera flutuante e Quimera com edições do Círculo do Livro).

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Entendo que apostar num autor pós-moderno pode ser um risco considerando o nosso mercado editorial (em expansão). Poderia existir uma editora de pequeno porte que pudesse criar uma identidade de autores desse estilo. Assim os livros poderiam ser trabalhos mais separadamente com baixas tiragem para atender um mercado bem pequeno, mas existente.

*Imagens: reprodução do Google.

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segunda-feira, 16 de abril de 2012

CASMURROS - DOIS ANOS

No sábado foi dia de apagar duas velinhas. O Casmurros completou dois anos!

Estou aqui me castigando por não ter feito nenhum texto para registrar a data. Se dependesse da minha vontade tinha rolado uma baita festa com bebida gelada, música boa e papos à toa sobre qualquer coisa relacionada a ficção ("ou não", como diz um amigo meu). No entanto, eu estava muito ocupado nesse final-de-semana - deve ser a centésima vez que digo isso. Prometo suprir todo esse atraso o quanto antes e quem sabe até fazer uma festa. Quem topa?

No sábado, eu queria ter dito que fazer o Casmurros é uma diversão. Passo dias e noites acordado para cumprir minha difícil missão de encontrar uma miscelânea de assuntos ligados a ficção para compartilhar com vocês minha leitura de tudo isso. Juro que um milhão de ideias passam pela minha cabeça, mas escrevo bem mais lentamente do que gostaria por causa do danado do tempo - sem mencionar o raio da autocrítica que sempre aparece na última hora para censurar o que a gente escreve.

Para além do blog com uns texto bons e outros nem tanto, me orgulho de organizar o fanzine que do ano passado até agora criou bastante força. Ali apareceram textos de ficção e ensaios inéditos em português, prosa brasileira de qualidade e temas pouco usuais para o universo da literatura. Para o futuro, espero que o fanzine ganhe mais participação nacional sobretudo agora que estamos nos aproximando da seleção da Granta, da Feira de Frankfurt, da Copa do Mundo e das Olimpíadas. O Brasil é a bola da vez e acho que o fanzine precisa refletir o bom momento da nossa literatura.

O quarto número deve aparecer em breve junto com outras surpresas. Não vou contar nada para não causar expectativa e estragar o prazer de vocês. Melhor aguardar.

Para finalizar, quero dizer que o Casmurros acontece de forma independente e sem nenhum patrocínio, infelizmente. Agradeço a ajuda de todo mundo que responde aos meus pedidos e apelos (incluindo as editoras). Como disse no "post inaugural" continuo esperando que toda sorte de pessoas participe do blog comentando e compartilhando seu jeito de ler as coisas.

Muito obrigado!

* Dessa vez não tem imagem.
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sexta-feira, 13 de abril de 2012

CRISTOVÃO TEZZA ENCONTROU JENNIFER EGAN



Queria escrever sobre o belo romance de Jennifer Egan que acabei de ler na semana passada - A visita do tempo cruel. Porém, me deparei com a notícia de que o livro de Egan está disputando com O filho eterno, de Cristovão Tezza o prêmio de €100,000 euros oferecido pelo IMPAC Dublin Literary Award. Tezza pode concorrer ao prêmio pois seu livro foi traduzido para o inglês por Alison Entrekin.

Evidentemente os dois não estão sozinhos na disputa - há mais oito escritores concorrendo. Seja como for, não podemos passar despercebidos ao fato de que nosso querido escritor Cristovão Tezza encontrou Jennifer Egan, a mulher de olhos azuis que derrotou Jonathan Franzen no Tournament of Books do ano passado. Se um deles ganhar vai se juntar a Javier Marias, Herta Müller, Michel Houellebecq, Orhan Pamuk, Colm Tóibin, Per Petterson, Colum McCann e outros ganhadores de edições passadas.

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Para mim parece surpreendente que Jennifer Egan de um chega pra lá em todo mundo que anda dizendo por aí que o romance está morto. Seu livro tem um pouco de tudo: esfacelamento do tempo, narrador em primeira e terceira pessoa, fluxo de consciência e até um capítulo em formato de Power Point - acredite se quiser. Fora a beleza da história cheia de uma urgência juvenil de enfrentar a vida sem saber de que maneira. As personagens erram muito, às vezes perdem feio e às vezes ganham aprendendo uma lição. Igualzinho a tudo o que acontece com a gente na vida real só que transformado em ficção.

Juro! Para mim foi uma espécie de catarse. Eu queria fazer parte daquela turma, dar conselhos para cada um deles, protegê-los das coisas ruins e tudo o mais. É duro constatar que tempo realmente nos alcança por mais que a gente tente correr dele. Mais duro do que isso é perceber que nós temos nas mãos várias possibilidades de fazer tudo diferente na nossa vida e que por obra do acaso (ou do destino, se você preferir) fazemos ao contrário do que realmente gostaríamos que fosse. Isso vale para a gente e para as pessoas que gostamos. O romance de Jennifer Egan é uma ode a vida - sem exageros.

(Estou me dando conta de que tudo o que estou dizendo está assumindo um tom piegas e sentimental, mas se você ler o livro vai entender do que eu estou falando).

Muita gente que leu O filho eterno, de Cristovão Tezza relata as mesmas sensações de catarse. Acontece uma identificação com a história daquele pai com o filho. Pode não ser um livro tão inventivo na forma (comparado ao Power Point de Egan), mas explora com maturidade impar a figura do narrador e suas ações de contar, mostrar e esconder. É um livro e tanto que ganhou diversos prêmios aqui no Brasil e garantiu a Tezza um reconhecimento merecido.

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Em tempo, o ganhador do IMPAC Dublin Literary Award será anunciado em 13 de junho. Bem antes de Egan vir à FLIP. Analisando friamente as chances do prêmio para nas mãos de Tezza são pequenas, mas elas existem. Cruzem os dedos.

*Imagem: reprodução do Google.
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quinta-feira, 12 de abril de 2012

OS CONTOS DE SAMANTHA SCHWEBLIN

Deve ser o período mais longo que eu fiquei sem atualizar o blog, mas juro que não foi por falta de assunto. Estou ocupado com alguns trabalhos e não tive tempo de escrever, infelizmente. Tenho aparecido com maior frequência no twitter. Prometo que vou fazer o possível para recuperar o tempo perdido, afinal o blog vai completar 2 anos no próximo sábado (oba!) e não quero deixar a data passar em branco. Depois da explicação vamos ao que interessa.

Não sei quando foi a primeira vez que ouvi falar da escritora Samantha Schweblin, portanto vou eleger o lançamento da edição especial da revista Granta com "os melhores jovens escritores de língua espanhola" (2010). Quem acompanha as coisas que acontecem na literatura dos nossos hermanos argentinos deve ter tomado conhecimento de Samantha quando ela publicou o livro de contos
El núcleo del disturbio, em 2002. Antes disso, ela tinha participado de antologias e publicado contos espalhados em revistas literárias. Li El núcleo... no ano passado e achei um livro deliciosamente belo e perturbador. As personagens dos contos vivenciam situações realistas (como a própria Samantha gosta de afirmar em entrevistas) e insólitas que lembram a literatura fantástica consagrada pelos escritores argentinos – Borges, Cortázar e Bioy Casares. Além da forte tradição Argentina do conto, ela cita como influências Franz Kafka, Dostoievski, Flannery O’Connor, John Cheever e J.D. Salinger. Eu pensei bastante em Bestiário, de Cortázar mas em El núcleo... as situações parecem mais sinistras. Teve gente que comparou os contos aos filmes de David Lynch – a anormalidade é aceita como algo das nossas rotinas diárias e não como um desvio. Para usar muitos adjetivos é uma prosa limpa, precisa, ligeira, bem escrita e com belas imagens. Coincidentemente, Samantha é formada em cinema pela Universidade de Buenos Aires.

Uma pena que uma escritora tão talentosa como Samantha tenha passado despercebida e levado tanto tempo para ganhar tradução para o português. Finalmente, o erro está sendo corrigido com a publicação de Pássaros na boca pela Benvirá – em tradução feita por Joca Reiners Terron, um grande conhecedor da literatura latino-americana. Antes disso, a revista Arte & Letras K tinha publicado dois contos de Pássaros... e no ano passado a edição da Granta com os melhores jovens escritores em espanhol (rol do qual Samantha faz parte) trouxe um conto chamado “Olingiris”.

Acho graça quando ela diz que cobram dela uma obra de fôlego maior, como um romance, em oposição aos contos que ela escreve tão bem. É o tipo de pressão comum a todo escritor, como se o conto fosse um gênero menor e os romances fossem a prova cabal do talento de um escritor. Pura bobagem. Alice Munro já ganhou vários prêmios internacionais de literatura muito importantes e sua obra inteira é composta por contos. Com mais de catorze livros publicados ela já passou da fase de ter que provar algum talento. Pensando em Samantha novamente acho natural que ela dê prosseguimento a tradição contística que está enraizada na cultura Argentina (como falei antes Borges, Cortázar, Quiroga – que era uruguaio, mas viveu bastante na Argentina).

Ainda não li Pássaros... apesar de ter a edição em espanhol. Vocês me perdoam se eu disse que está na minha famigerada fila de leitura? Pelo que dizem os jornais, acho que o livro não deve nada a reputação atribuída a Samantha por admiradores como Daniel Alarcón – o escritor peruano que figurou na Granta e na New Yorker.

Tradicionalmente, a Benvirá costuma trazer musas para as edições da FLIP - Wendy Guerra, em 2010, e Pola Oloixarac, em 2011. Sempre achei que Samantha Schweblin seria uma forte candidata ao páreo, só que o livro acabou de sair e a escritora participa da Bienal do Livro e da Leitura, em Brasília. A apresentação dela será no dia 16 de abril (segunda-feira, às 18h). Notícia boa e ruim ao mesmo tempo, porque fica difícil ir a Brasília nesse dia.

Seja como for, um aviso aos interessados de plantão: nesse ano, o posto de musa da FLIP já foi muito bem ocupado por Jennifer Egan – com todo respeito a Samantha, claro!

*Imagem: divulgação/Benvirá
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