sexta-feira, 27 de abril de 2012

UMA CONVERSA COM ELIF BATUMAN

Não existe muitas gente situada entre o universo da academia e do jornalismo com tanta facilidade e bom humor como Elif Batuman. Uma escritora turco-americano que recentemente ganhou fama narrando suas aventuras como doutorando em Literatura Comparada na Universidade de Stanford em seu primeiro livro, Os possessos - Aventuras com os livros russos e seus leitores. O livro é uma coletânea de ensaios sobre viagem, leitura, conferências acadêmicas, problemas de relacionamento e a antiga União Soviética. Ela continua escrevendo artigos prolificamente para revistas – no ano passado sua assinatura apareceu na London Review of Books, Paris Review, New Yorker, n +1 e New York Times, para citar algumas. Eu comecei a ficar de olho nos seus textos depois de ler Os possessos que me fez gargalhar tantas vezes que acabei tendo de ler em voz alta para quem estava a minha volta. Nas mãos de Batuman parece quase natural que uma conferência sobre Isaac Bábel pode deixar você rindo e chorando.

Deixando o humor de lado, é revigorante ter alguém jovem, inteligente e divertido que está chamando a atenção simplesmente por escrever sobre o quanto gosta de livros. Os possessos conclui: “Se eu pudesse recomeçar hoje, escolheria novamente a literatura. Se as respostas existem no mundo ou no universo, eu continuo achando que esse é o lugar onde nós vamos encontrá-las”. Depois de terminar Os possessos fiquei quase convencida a correr para um doutorado em literatura e imagino que eu não seja a única.

Eu tive sorte o suficiente de passar algum tempo com Batuman na Universidade de Koç, nos arredores de Istambul, onde ela é atualmente uma escritora em residência. Nós conversamos sobre seus planos para o próximo livro, seus pensamentos sobre a ficção contemporânea e o que é exatamente tão engraçado na academia.

No que você está trabalhando?

Pela primeira vez eu tenho um contrato com a New Yorker – ao invés de ser freelancer. É diferente porque eles me ajudam propondo idéias, ao invés de me jogar ou forçar algo. O último texto que escrevi para eles era sobre a fanática cultura do futebol, que não é uma história que eu teria proposto por minha própria conta. Foi interessante fazer algo assim, algo fora de minha zona de conforto e também fora da minha zona de interesse. Mas é uma cultura complicada e alguma coisa nisso sempre vai ser interessante se você se forçar a descobrir alguma coisa a mais.

Eu não tenho tido tempo para começar um outro livro. Tenho algumas idéias que gostaria de explorar. Até o momento de conseguir contrato para o primeiro livro, cerca de metade dos meus ensaios já tinham sido publicados. Eu não tive a experiência de sentar e escrever um livro a partir do zero. Quero brincar mais com ficção e não-ficção. Na verdade, eu queria que Os possessos fosse ficção para que eu pudesse tomar mais liberdades. Mas como é baseado em coisas verdadeiras havia muita pressão para que fosse não-ficção e quando é o seu primeiro livro você tem de fazer o que lhe dizem para fazer.

Você tem planos mais concretos para o próximo livro?

Bom, eu estive pensando sobre como muitos dos escritores que eu conheço são incrivelmente bons escrevendo e-mail e muitas vezes eu acho seus e-mails mais atraentes do que as coisas que eles escrevem nos livros. Está ligado a essa coisa que eu citei sobre Tchekhov em Os possessos, sobre como todo mundo tem duas vidas uma aberta, conhecida por todos, e outra desconhecida, acontecendo em segredo. O e-mail é um tipo de vida desconhecida enquanto os textos publicados são a vida conhecida. Isso é algo que eu tentei fazer em Os possessos, especialmente no capítulo "Palácio de gelo". Eu aproveitei o texto que escrevi para a New Yorker e tentei completá-lo com a dimensão humana que não tinha aparecido na revista. Eu quero resgatar algumas das coisas que escrevi e preencher com a história pessoal que as contextualiza. Do contrário, você tem uma jornalista nova-iorquina, uma diletante profissional, que está apenas indo de coisa em coisa e nenhuma delas está ligada as outras. Quando você tem sorte o suficiente para gostar do seu trabalho é uma parte enorme do seu pensamento. E uma das coisas que eu gosto no romance clássico é que ele mostra todas as camadas de pensamento que as pessoas têm; seus trabalhos, casamentos, amigos e os pensamentos sobre política está tudo entrelaçado. Mas eu quero escrever mais sobre sexo neste próximo livro; acho que sexo é um problema muito grande que as pessoas não conhecem o suficiente. E eu não fui capaz de fazer isso em Os possessos porque era não-ficção.

Então um livro de ficção vai expor mais sobre sua vida pessoal?

Sim. É tão estranho para mim que a primeira maneira pela qual você classifica um escritor ou um livro seja ficção contra não-ficção. Como podem ser essas as categorias mais importantes? Não faz nenhum sentido. É muito claro que, como em Um milhão de pedacinhos, se você escreve um livro de ficção e o chama de não-ficção existem todos os tipos de problemas. Mas qual é o problema se você escreve um livro não-ficção e o chama de ficção? Isso era o que os romancistas faziam até 75 ou 100 anos atrás. Hoje é como se você esperasse a ficção para inventar tudo isso que algumas pessoas fazem. Por exemplo, eu acho que Jonathan Franzen realmente tira todas aquelas coisas da cabeça, o que é incrível. Mas esse não é o tipo de escritor que eu sou, não é um bom aproveitamento do meu tempo para inventar coisas.

Falando em Jonathan Franzen, você escreveu um artigo na London Review of Books um tempo atrás que era muito crítico sobre a ficção contemporânea. Mas você também disse em entrevistas que você gosta de Franzen, bem como de outros escritores, e recentemente escreveu um artigo muito elogioso sobre o novo livro de Jennifer Egan, A visita cruel do tempo. Você consegue definir o que esses escritores estão fazendo que supere o que você vê como armadilhas da ficção contemporânea em geral?

Liberdade não tem muitas das características que eu associo com oficina de ficção. Ele manteve um pequeno número de personagens e entrou nessas personagens completamente. Não houve criação exagerada de nostalgia a partir do nada. O diálogo era muito bom e não havia um grande número de personagens menores para acompanhar. Era sobre como conciliar o sexo com algum tipo de vida diária – uma questão sobre a qual tenho pensado bastante. Um monte de pensamento e angústia entra no pensamento por esse problema. Você encontra angústia no que eu penso como oficina de ficção, mas há uma suposição de que todos já compartilham essa angústia e sabem o que é e é realmente irônico. Mas ele realmente fez o trabalho de campo e mostrou o que é tão terrível em todas as coisas.

O livro de Jennifer Egan tinha um monte de características do que eu normalmente considero como oficina de ficção ou contos da New Yorker e demorei um pouco para entrar no livro. O enredo sempre introduz aqueles personagens com nomes estúpidos e idiossincrasias estúpidas. Eles estão vivendo aquela vida deprimente e sem sentido que não parece que estão sendo investigados. De repente, de alguma maneira estas pequenas histórias, onde as falhas das personagens seriam tão próximas do que elas são no ser humano, se reúnem e ressoam de uma forma muito brilhante. De certa forma eu acho que é um livro muito mais interessante e formalmente radical do que Liberdade. Será interessante ver o que ela vai fazer em seguida. As pessoas tem feito romance através de contos ou um ciclo de contos faz algum tempo, não foi ela que inventou isso. Mas acho que ela fez algo realmente diferente com isso. Ela começou escrevendo uma história sobre o tempo, para escrever um livro de contos no estilo de Proust e foi o que ela fez . Há algo afirmativo em ver uma grande ambição bem executada e bem sucedida.

Seu livro tem um monte de ensaios muito engraçados sobre conferências acadêmicas, como "Babel na Califórnia". Você acha possível encontrar uma grande quantidade de comédia numa bolsa de estudo em literatura russa ou você consegue esse mesmo tipo de história em qualquer disciplina?

Eu me pergunto muito sobre isso. Não tenho certeza porque não passei muito tempo em outras disciplinas. Meu palpite é que você pode encontrar histórias engraçadas em qualquer disciplina. Mas muito do que me atraiu para a literatura russa era que uma mesma coisa é engraçado e triste ao mesmo tempo. Não é como Dickens, onde algumas coisas são coisas incrivelmente engraçadas e outras melodramáticas, trágicas. As coisas são engraçadas desta maneira melancólica. Você vira o objeto e vê o lado engraçado disso. As pessoas que vão estudar literatura russa estão particularmente sintonizadas com isso, então acho que é possível que coisas especialmente engraçadas aconteçam.

Mas no meu conhecimento todos os acadêmicos são muito engraçados. Eles são todos marginalizados da vida real de alguma maneira e todos são conscientes disso. Eles são muito auto-reflexivos e onde há auto-reflexão e amplitude de leitura tende a haver humor. Não é uma regra fixa. Você encontra muitos acadêmicos sem humor, especialmente em outros países e nas gerações mais velhas. Mas os acadêmicos americanos têm um bom senso de humor e não são tão inibidos. Se querem fazer algo louco eles seguem em frente e fazem.

Mas a academia literária é engraçada, especialmente o estudos do romance. O romance tem tudo a ver com essa disjunção cômica entre os livros e a realidade. Como você poderia ter um emprego que incorpora isso senão sendo um estudante do romance? Você está no mundo como pessoa, mas seu trabalho é estudar. É uma situação muito cômica, mas também triste. Como o romance russo é triste e engraçado ao mesmo tempo.

Em Os possessos você descreve um aluno simplesmente como alguém que estudou "narradores não confiáveis". Descrever as pessoas só dessa forma, por algo muito específico a que elas tem dedicado suas vidas a estudar, é muito engraçado - e também trágico.

Sim, isso ainda é perfeitamente verdade. Até que você pensa em colocá-los nesses termos é perfeitamente normal. Todo mundo tem uma especialidade. Mas quando você pensa em responder à pergunta "O que você faz da vida?" Uma resposta do tipo "Eu estudo esta doença das células brancas do sangue" ou "eu estudo narração inverossímil" é muito engraçada.

Um cara numa mesa sobre Dostoievski em que eu estive recentemente falava sobre como você não pode acreditar no que diz o homem subterrâneo de Dostoievski porque ele é a única pessoa a que você tem acesso e você não sabe se aquilo é verdade ou não. De repente alguém na platéia disse: "Claro! Desse ponto de vista é muito semelhante a Erasmo, porque você não pode dizer o que é a verdade!" Foi como se eles descobrissem a narração inverossímil ali mesmo na frente dos meus olhos. Foi completamente estranho. Toda a cultura literária na Turquia é estranha porque todo mundo é assim generalista.

Como tem sido viver em Istambul? O que você tem pensado e escrito sobre a cidade?

Eu não sinto como se estivesse vivendo em Istambul porque estou neste escritório o tempo todo. Eu trabalho aqui até tarde, perco o ônibus e depois vou a pé para casa por essa floresta por 25 minutos. Eu me sinto mais como se estivesse vivendo no país dos esquilos do que no país do povo turco. Não vou muito ao centro da cidade. Quando terminar minha residência eu quero mudar para o centro de algum lugar. Eu tenho alguns amigos e pessoas que conheço que estão na cena literária e parece que coisas interessantes estão acontecendo. E mesmo que coisas interessantes não estejam acontecendo, as pessoas pensam que coisas interessantes estão acontecendo. Na Rússia, as pessoas pensam que o tempo bom ficou para trás. Jornalistas estão sendo tratados como lixo, o clima está ficando feio, muito feio e o buraco entre ricos e pobres é cada vez maior. Comparado com isso, a Turquia parece ser um lugar onde as pessoas ainda são otimistas com literatura e cultura e gostaria de saber sobre o que eles estão otimistas.

Você tem algum conselho para alguém que quer ser escritor?

Para mim, [escrever] é desativar o censor que diz que você está escrevendo algo ruim, portanto pare de escrever. É como ir ao ginásio. Uma vez que você ir para o ginásio você nunca lamenta que você foi para lá. Uma vez que você senta e escreve, mesmo que você diga que o que você está escrevendo é ruim e não o está levando a lugar nenhum, o ato cognitivo de mexer em frases está fazendo de você um escritor melhor. Você só tem que lembrar disso e não se censurar. Ao escrever não-ficção teve um monte de vezes que imaginei várias vozes de pessoas irritantes na minha cabeça que ficariam ofendidas ou irritadas porque eu tinha escrito isso ou aquilo. Aprender a desligar isso era útil num sentido amplo. Você tem que ter certeza que é só você e a tela do computador e que outras pessoas só vão entrar naquilo mais tarde.

O outro lado disso é que também é muito útil pensar em seu texto como algo que você está contando para alguém. Um dos meus livros favoritos que li recentemente é Gilead, de Marilynne Robinson, porque foi escrito em forma de cartas. Isso me fez lembrar de um livro para crianças que eu li e reli, em Nova York, quando estava visitando minha mãe, From The Mixed up Files of Mrs. Basil E. Frankweiler, de EL Konigsburg. É escrito pela Senhora Basil E. Frankweiler, dela para o seu procurador, nomeando as disposições que têm de ser feitas em sua vontade. Mas na verdade é a história dos netos do procurador que fugiram de casa para ficar no Metropolitan Museum a fim de resolverem um mistério artístico. Foi escrito para uma pessoa muito particular, da mesma maneira que Gilead é escrito para uma pessoa muito particular. Eu acho que é uma convenção arbitrária para escrever para o público. Mesmo quando você tem um livro que é escrito em primeira pessoa, quem está realmente escrevendo para o público? Eu pensei que isso estava restaurando um componente muito importante perdido da escrita, escrever para uma pessoa específica. Tenho pensado mais nisso. É algo que meu editor me disse quando estava trabalhando em Os possessos. Ele disse: "Eu acho que você deveria escrever isso para minha mãe. Minha mãe ama esse livro, mas ela não sabe que adora. Se você continuar usando palavras como ‘sobre-determinada’, ela nunca vai saber que adora”. Tratava-se de tirar o jargão sem retirar a teoria ou deixar estúpido. Foi algo realmente útil.

Atualmente a literatura russa ocupa uma grande parte da sua vida, cultura e escrita. Você acha que nunca vai se cansar de literatura russa?

Sim! Claro que acho que vou. Quando você escreve e promove um livro, você não é especialista em nada exceto em ter escrito aquele livro. No meu caso era um livro muito pequeno e idiossincrático que não tinha um conhecimento enciclopédico de muito coisa, mas os livros têm que torná-lo um especialista em alguma coisa. Você entra neste circuito de festivais e eu estava em todos esses painéis sobre a Rússia com Sheila Fitzpatrick, Pavel Basinski e essas feras dos estudos eslavos. Sendo assim, imagino que o meu próximo livro não vai ter muito a ver com literatura russa e depois haverá outra fresta para me encaixar. Não acho que eu vá fundo como uma especialista em literatura russa por muito mais tempo.

Os possessos - Aventuras com os livros russos e seus leitores
Elif Batuman
Editora Leya
344 páginas











Esta conversa foi publicada originalmente no blog Full Stop em 14 de dezembro de 2011. Reprodução e tradução para o português com permissão do blog.

*Imagens: retrato de Elif Batuman reprodução e capa do livro divulgação.
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