sexta-feira, 31 de agosto de 2012

NOTAS #39

Favorito ao Nobel
A editora Alfaguara divulgou a capa definitiva do livro
1Q84, de Haruki Murakami cujo primeiro volume (com 450 páginas) deve chegar ás livrarias brasileiras em novembro. Os outros dois volumes terão lançamento em 2013.

Man Booker Prize 2012
A shortlist do Man Booker Prize foi anunciada. Entre os seis concorrentes estão os estreantes Jeet Thayil com Narcopolis e Alison Moore com The Lighthouse; os veteranos Deborah Levy com Swimming Home, Will Self com Umbrella e Tan Twan Eng com The Garden of Evening Mists; e a ganhadora do prêmio em 2009, Hilary Mantel com Bring up the Bodies.

A crítica inglesa considera que Hilary Mantel é a favorita dentre os finalistas - ela está quase com o caneco na mão porque também lidera o ranking de apostas da casa Ladbrokes. As únicas coisas que podem estragar sua festa são Will Self (outro forte candidato que está praticamente empatados com Mantel no painel da Ladbrokes) e o fato de ter ganhado o prêmio recentemente.


Campeão de vendas
No dia 15 de setembro chega às livrarias Cinquenta tons mais escuros, o segundo livro da trilogia escrita pela autora inglesa E.L. James. Parece que 90% da tiragem inicial de 350 mil exemplares já foi comprada pelos leitores na pré-venda. A ansiedade é tão grande que muitas leitores estão recorrendo a traduções piratas que estão espalhadas na internet - a maioria delas deve ter sido feita pelo Google Tradutor e tem muitos problemas. As mulheres estão desesperadas.

A Intrínseca liberou as 30 primeiras páginas como aperitivo - para acalmar os ânimos.

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A trilogia vai virar filme, mas por enquanto nenhuma data prevista para lançamento foi anunciada.

A literatura vai ao teatro...
No SESC Belenzinho, em São Paulo, a Sutil Companhia de Teatro está em cartaz com a peça O livro de itens do paciente Estevão inspirada no livro O paciente Steve, de Sam Lipsyte. Conta a história de Steve, um homem que foi diagnosticado com uma doença incurável e sem nome. A peça fica em cartaz até 21/10 com apresentações sextas e sábados, às 18h e domingo, às 17 h. Já o livro está fora de catálogo, mas disponível em sebos - foi publicado em 2003 pela Editora Globo.

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No Centro Cultural Correios, no Rio de Janeiro, Marco Nanini está em cartaz com a peça A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento baseada num livro homônimo de Georges Perec. Tudo o que precisa ser dito sobre o enredo está no título. Numa entrevista para o jornal Folha de SP, o ator disse que teve vontade levar o texto ao teatro por causa do seu caráter experimental - tal qual um manual de anti-ajuda o leitor espera dicas práticas para conseguir um aumento de salário, mas é surpreendido pelos pensamentos obsessivos da personagem que chega a montar um organograma prevendo todas as situações possíveis e imagináveis entre "sim" e "não". A peça fica em cartaz até 28/10 com apresentações de sexta a domingo, às 19h. O livro está disponível nas livrarias - foi lançado pela Companhia das Letras em 2010 e tem tradução magnífica de Bernardo Carvalho.

Bom momento para celebrar os 30 anos sem Georges Perec.

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No Teatro Novelas Curitibanas, em Curitiba, o grupo Teatro de Breque está em cartaz com o espetáculo Em breve nos cinemas livremente inspirado em estruturas narrativas e temas da obra de David Foster Wallace. A peça fica em cartaz até 14/10 com apresentações de quinta a domingo, às 20h. Por enquanto, o único livro de David Foster Wallace disponível em português é Breves entrevistas com homens hediondos - foi lançado pela Companhia das Letras em 2005 e tem tradução de José Rubens Siqueira.

... e ao cinema
Em outubro estreia nos Estados Unidos Cloud Atlas, um filme dirigido pelos irmãos Wachowski e por Tom Tykwer (o diretor do filme Corra, Lola, corra) baseado no ambicioso romance de David Mitchell. O livro é composto de seis histórias interligadas que numa espiral vertiginosa através do tempo e espaço vão do século XIX ao futuro apocalíptico. Mitchell é tido pelos críticos anglófanos como um dos melhores escritores de sua geração por causa do seu experimentalismo formal e temático - como um camaleão, ele muda bruscamente seu estilo de um livro para outro. O único romance de Mitchell disponível em português é Menino de lugar nenhum publicado em 2008 pela Companhia das Letras com tradução de Daniel Pellizzari. Também estava previsto para esse ano a tradução de Os mil outonos de Jacob de Zoet, assinada por Daniel Galera - pela Cia das Letras.

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Cloud Atlas continua fora dos planos de tradução das editoras daqui. Quem quiser pode recorrer a tradução portuguesa de Helena Ramos e Artur Ramos que saiu pela editora Dom Quixote (um selo do grupo português Leya), em 2007. O livro recebeu o simpático título de Atlas das nuvens.

*Imagens: divulgação.

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DAVID FOSTER WALLACE ENTRE A REALIDADE E A FICÇÃO


Muita gente já conhece as características da literatura feita por David Foster Wallace - pelo prazer ou pela dor, tem quem ama e quem odeia. Portanto, não vou ficar chovendo no molhado dizendo que a obra dele é cheia de ironia, metalinguagem, discurso indireto livre, jargões, palavras inventadas, longas sentenças e notas de rodapé gigantes. Chega de tudo isso, vamos falar de coisa boa: fofocas, claro!

Na semana passada chegou às livrarias norte-americanas a primeira biografia do escritor
Every Love Story Is a Ghost Story, de D.T. Max. Wallace sofria de depressão profunda, teve muitos períodos de internações em clínicas, lutou contra a dependência do álcool e da maconha e cometeu suicídio em 2008. A biografia é oficial. D.T. Max contou com a colaboração da família e dos amigos próximos a Foster Wallace, além de ter tido acesso às cartas, manuscritos etc., que o escritor deixou guardada em seu arquivo.

Evidentemente, ainda não li a biografia, mas a revista Rolling Stone (gringa) leu e adiantou "seis coisas que a gente não sabia sobre David Foster Wallace". Por exemplo, ele não era tão bom jogando tênis, votou em Ronald Regan para presidente (mas odiava George W. Bush), tinha problemas paranóicos com higiene (suava muito e carregava uma escova de dentes na meia, para emergências) e planejou matar o marido da escritora Mary Karr (com quem teve um relacionamento bastante conturbado).

Parece que a maior curiosidade da biografia está nas possíveis ligações que podem ser feitas entre a vida de Wallace e o enredo dos livros Liberdade, de Jonathan Franzen e A trama do casamento, de Jeffrey Eugenides. Em tempos de autoficção exagerada também acho chato quando alguém pergunta "o que a personagem tem em comum com você?" ou "o livro é sobre você?". Só que a gente pode perdoar essa situação no caso desses três escritores sobretudo quando vemos muitas semelhanças entre Leonard Bankhead, Richard Katz (personagens) e Foster Wallace (o real) - a bandana na cabeça, o hábito de mascar fumo e a sagacidade intelectual. Eles eram muito amigos, amadureceram suas obras quase ao mesmo tempo e faziam parte de um grupo de escritores pertencentes a uma geração. Viveram muita coisa juntos, portanto é natural que tenham histórias para contar sobretudo depois da morte trágica de Wallace.

Quando perguntam da semelhança "realidade x ficção", Eugenides sempre nega dizendo que estava pensando na banda Gun's in Roses. Não lembro de alguma resposta de Franzen, mas ele era muito amigo de Wallace e as disputadas entre Walter e Richard tem qualquer coisa da vida real que são impossíveis de negar - como na frase meu objetivo era "colocar meu pênis na vagina quanto possível" (a frase está tanto em Liberdade quanto na biografia).

Verdade ou mentira, esse tipo de coisa não estraga a qualidade dos livros. Pelo contrário, acabam servindo como um elemento de atração. Afinal, todo mundo sempre vai querer comprovar sua fantástica teoria. Vai ver aconteceu de contarem essas coisas sem querer.

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Em tempo, a Companhia das Letras lança em outubro Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo, a coletânea de não-ficção de David Foster Wallace com organização e tradução da dupla de escritores Daniel Galera e Daniel Pellizzari.

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Já Caetano Galindo (que acabou de ler essa biografia do Foster Wallace) está trabalhando na tradução de Infinite Jest. Segundo ele escreveu no twitter o trabalho já está em 250 laudas - ainda é pouco perto das mais de 1000 páginas do livro, mas animador para os fãs do escritor.

A tradução portuguesa saí em novembro com o título de A piada infinita. Tido como um lançamento importante, a editora Quetzal criou um blog reunindo notícias de jornal e outros mimos.

*Imagem: reprodução.

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MÊS DA LITERATURA INDIE

Muito em breve, na cidade de São Paulo, setembro ficará conhecido como "mês da cultura independente" - do mesmo jeito que agosto é conhecido popularmente como "mês do cachorro louco" (dizem que em Portugal, as mulheres supersticiosas evitam se casar nesse mês; e na Argentina, lavar a cabeça nessa época do ano pode atrair a morte). A explicação é simples: há seis anos a Secretaria Municipal de Cultura promove nesse mês eventos gratuitos ou com preços simbólicos voltados a produção cultural independente. A iniciativa não fica restrita apenas aos artistas brasileiros e também abre espaço para a turma internacional.

Além de artes visuais, cinema e música, o evento conta com uma programação literária e realiza uma série de saraus e oficinas tendo destaque para o I Encontro de Literatura Divergente, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima. Se minha apuração não tiver falhas, o termo "literatura divergente" foi criado pelo Nelson Maca, poeta e professor da Universidade Católica de Salvador, para dar conta da produção literária que acontece a margem dos "ambientes acadêmicos ou oficiais": "
literatura negra, maldita, periférica, marginal, letra de música, rap..." O próprio Nelson vai explicar tudo isso e outras coisas mais na mesa de abertura - ele também vai participar como mediador de outros debates.

O encontro dura quatro dias e vai reunir ativistas, estudiosos da academia, pesquisadores, consumidores e admiradores dessas vertentes literárias para discutir conceitos, definições, dar maior visibilidade aos autores e a maneira como todos esses textos circulam. Vai ter participação de Heloísa Buarque de Holanda (que faz coisas pela literatura brasileira desde muito tempo; Impressões de viagem – CPC, vanguarda e desbunde virou um clássico dos nossos estudos literários), Glauco Matoso, Marcelino Freire e muitos representantes dos grupos que organizaram editoras independentes e vários saraus pelo Brasil a fora.

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O movimento de olhar para a literatura feita nas periferias estão em alta. Veja, por exemplo, a FLUPP - Festa Literária das UPPs - que levou escritores brasileiros e estrangeiros para as comunidades periféricas do Rio de Janeiro com o objetivo de formar leitores e escritores. Em novembro, os organizadores da Festa vão lançar um livro com textos de 30 participantes desses encontros (sendo 15 policiais e 15 moradores das comunidades).

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Enquanto estava escrevendo percebi que esse texto está um pouco investido de raiva contra a academia e os órgãos que legitimam e autorizam o cânone cultural. O sentimento não é novo. Faz tempo que o discurso pró-academia (ou crítica cultural) anda fora de moda e para entender um pouco do cenário me ocorreu recomendar um texto do Sérgio Rodrigues, no blog Todoprosa.

*Imagem: Lajes da periferia, de Thaís Ibañez /reprodução

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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ONDE AS HISTÓRIAS VIVEM

“Fomos caminhando até a rua 7 de Abril, entramos no cinema, na tela, uma loira linda, viciada em crack, dizia para o namorado: os vampiros têm mais sorte que nós.”

“Ela subiu no primeiro Vila Olímpia-Lapa e passou por mim sem olhar, os policiais me revistando. Outra vez, ameaçou gritar se eu não a deixasse em paz. Começou a trabalhar em outro horário. Pediu transferência para outra loja do Mappin, pensando que eu não descobriria, mas eu descobri, Mappin do centro, em frente ao Teatro Municipal.”

“No final da avenida Guarapiranga dobrei à direita e estacionei o carro numa quebrada, mandei meus homens esperarem.”


O Matador, de Patrícia Melo.



Duas semanas atrás, o caderno Ilustríssima publicou uma notinha falando sobre um portal na internet que mapeia diversas referências culturais que aparecem nos livros que a gente leu. É possível saber, por exemplo, os lugares em que uma história acontece, qual música, filme, comida, bebida ou carro uma personagem gosta e algumas coisas mais. Lembra um pouco aquelas notas explicativas que apareciam nos rodapés dos livros de antigamente.

Não tenho a menor ideia de quais são os planos dos donos do portal - se eles querem mapear todos os livros do mundo ou apenas os livros que publicados e traduzidos para o inglês (o que não reduz nem um pouco o universo dos livros) -, mas sei que a tarefa nunca vai terminar. Até agora já foram cadastrados mais de 7000 livros (Parece bastante, só que não é. A Biblioteca do Congresso Norte-Americano, por exemplo, possuía até pouco tempo atrás, mais de 32 milhões de livros).

Seja como for, eu simpatizo com a ideia - me lembra até minha época de faculdade quando um professor disse que a cultura iria virar um imenso banco de dados para consulta (naquele tempo a gente não dava bola para essas previsões). Sempre tive curiosidade de encontrar um lugar que mapeasse na ficção as citações a cidade de São Paulo (nem precisava ser um mapeamento muito amplo, bastava que dissesse os lugares, praças e ruas).

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Só por curiosidade, pesquisei no tal portal (SmallDemons.com) citações sobre a cidade de São Paulo. Não tinha nenhuma. Sobre o Rio de Janeiro tinha duas (uma em Nemesis, do Jo Nesbo e outra em Ghostwritten, do David Mitchell - nada demais). A maioria das citações eram sobre Brasil ou os brasileiros. O livro mais conhecido era Infitite Jest, de David Foster Wallace que nos cita em 6 momentos.

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Na falta de um portal a gente tem a Caminhada Noturna que durante os meses de julho e agosto promoveu caminhadas temáticas com escritores paulistas ou adotados pela cidade (não eram escritores de ficção, necessariamente). A Bicicloteca também promoveu dois passeios literários mostrando a casa do Monteiro Lobato, do Mario de Andrade e até a famosa garçoniere de Oswald de Andrade.

(Aliás, a vida inteira de Oswald de Andrade daria um passeio de dois dias, pelo menos. Além do centro da cidade, ele morou em Higienópolis, na Consolação, no Bixiga, nos Jardins e na Bela Vista).

Evidentemente, gostaria de um banco de dados com citações de cidades de todo o Brasil. Quiça poderíamos ter um portal que também mostrasse as referências culturais dos livros do Machado de Assis - assim, a turma da internet saberia direitinho onde destrinchar informações. Também sugiro ao pessoal dos eventos na cidade criarem roteiros/passeios sobre Mario de Andrade e Marcos Rey - eles também tiveram uma vida intensa na cidade.

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Lá em cima retirei trechos do livro O Matador, de Patrícia Melo. Me lembro que fiquei fascinado por esse livro justamente por causa das referências geográficas. Os primeiros livros dela estão recheados dessas coisas.

*Imagem: um mapa antigo que encontrei no Google.

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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

MURAKAMI FAVORITO AO PRÊMIO NOBEL

Se tem uma coisa que deixa a gente animado nessa época do ano é especular sobre o provável ganhador do prêmio Nobel de Literatura. O anúncio chega a ser tão esperado quanto aquele peru de Natal da sua tia ou aquele show de final-de-ano do Roberto Carlos. Adivinhar o nome do ganhador é tão difícil quanto acertar os números da Mega-sena - a Academia Sueca gosta muito de surpreender. No ano passado, muita gente dava como certa a vitória de Adonis, poeta e ensaísta sírio. No fim, o prêmio ficou em casa, pois quem acabou levando foi Tomas Tranströmer, poeta sueco.

Para esquentar os motores, a famosa casa de apostas Ladbrokes já está aceitando palpites. O lugar é um termômetro certeiro. Por enquanto, quem está na frente é o escritor japonês Haruki Murakami, seguido pelo chinês Mo Yan (inédito por aqui), pelo holandês Cees Nooteboom, pelo albanês Ismail Kadare e pelo sírio Adonis.

Figuram na lista, um tanto desacreditados, nomes como Philip Roth, Cormac McCarthy (eterna promessa), Chinua Achebe, Thomas Pynchon, Umberto Eco, Don DeLillo e Joyce Carol Oates. Lá atrás ainda aparecem o português Antonio Lobo Antunes e o brasileiro Ferreira Gullar - empatado com Jonathan Franzen, Per Petterson, Jonathan Littell, Paul Auster.

O anúncio será feito em outubro.

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Enquanto o Nobel não chega, ficamos de olho no Prêmio SP de Literatura cujo os ganhadores serão anunciados em setembro. Como no ano passado, a organização do prêmio vai promover encontros com os finalistas: três na capital e quatro no interior do Estado. O primeiro bate-papo em SP (capital) acontece nesse domingo (26/08) na Biblioteca de São Paulo com Edmar Monteiro Filho, Eliane Brum e Suzana Montoro. O próximo será em 01/09 com Domingos Pellegrini, Paulo Scott e Silvio Lancellotti. O último será em 09/09 com Chico Lopes, Luiz Ruffato e Tatiana Salem Levy. Em todos os encontros a mediação será de Adriana Couto.

Uma pena que não existe um equivalente a Ladbrokes para o Prêmio SP de Literatura. Alguém está a fim de compartilhar/especular os ganhadores?

***ATUALIZAÇÃO: informalmente diga pra mim, nos comentários, qual o seu palpite para os ganhadores do Prêmio SP de Literatura - na categoria veterano e estreante. Não precisa ficar com medo, ninguém está vendo o seu voto (é tudo confidencial).

Se você não sabe, os finalistas estão aqui.

* Imagem: reprodução da Wikipédia.

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terça-feira, 21 de agosto de 2012

A BIENAL DO LIVRO ESTÁ MORTA. VIDA LONGA A BIENAL!

Não fui à Bienal do Livro de SP que terminou no domingo. Aliás, para ser bem sincero, não me lembro quando foi a última vez que visitei a Bienal para olhar os lançamentos ou comprar livros. Não fiquei motivado pelo passeio porque os livros não tinham descontos e apenas alguns debates isolados da programação cultural me interessavam - fazendo as contas "custo x benefício", não achei justo pagar o valor do ingresso para ver uma coisa aqui, outra ali e andar à toa.

(Até acompanhei no blog da Raquel Cozer sugestões de livros mais baratos na Bienal, mas já estava decidido a passar longe do Anhembi).

É chover no molhado dizer que o modelo da Bienal foi engolido pelas livrarias megastore, pelas vendas na internet, pelas festas literárias espalhadas por todo o país e até pelas feiras de livros que oferecem bons descontos - como é o caso da Feira do Livro da USP. Agora tente imaginar como vão ser as coisas depois que a Amazon, famosa por seus preços baixos, finalmente iniciar suas operações por aqui? É uma realidade que a edição de 2014 terá de enfrentar.

Outro ponto fraco foram os lançamentos 'badalados' que dessa vez ficaram fora da agenda da Bienal. Tipo de acontecimento que costuma atrair muitos leitores e curiosos. Com tanta coisa acontecendo ao longo do ano, imagino que as editoras privilegiam ocasiões como a FLIP ou aqueles calendários estipulados pela urgência do mercado editorial. Não precisam mais esperar até a Bienal.

Vejam que estou falando de uma perspectiva muito particular baseado nas coisas que me agradam e na insatisfação geral que li pelos jornais e internet. Também falo como consumidor - aquele sujeito que sempre quer comprar muito e pagar pouco. No entanto, ontem, o Caderno 2 divulgou um balanço confirmando bons números de público e satisfação por parte de algumas editoras nas vendas - detalhe, durante os onze dias o evento recebeu 750 mil visitantes (com recorde de público no último sábado).

Pode ser que a Bienal não esteja tão morta quanto parece.

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Gostei mesmo da sugestão do editor João Scortecci em carta aberta aos expositores da Bienal. Como ele disse "os eventos de rua estão em alta" e seria realmente interessante que a Bienal expandisse os seus domínios e ocupasse toda cidade fosse com programações voltadas ao tema do livro e da leitura. É uma ideia ambiciosa, mas poderia funcionar. Orçamento para isso a organização teria.

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O único debate da programação cultural que eu acompanhei foi a mesa "Blogs e Vlogs". Fiquei sabendo de tudo pelo Twitter e pelo Youtube (cof!). Por razões óbvias, queria ver o pessoal falando sobre livros, literatura etc. A mesa tinha Marcelo Cidral, Pablo Peixoto, Iris Figueiredo, Felippe Cordeiro (do Meia Palavra) e o PC Siqueira - eu confesso que gosto dos vídeos dele (mas não quero que ele me siga no Twitter e nem me adicione no Facebook).

Gostei quando o PC falou das suas leituras preferidas. Ele leu tudo da Agatha Christie e do Edgar Allan Poe; alguns livros do John Fante e do Charles Bukowski; e terminou dizendo que Clube da luta e Sobrevivente, de Chuck Palahniuk mudaram sua vida. Se não me engano, ele nunca comentou sobre livros no vlog, mas acho que deveria reconsiderar. Sem parecer chato ou forçado, claro!

*Imagem: reprodução do Flickr da Bienal.
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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

LITERATURA EM NOVAS FORMAS DE DISTRIBUIÇÃO


"Para a literatura prosperar na era digital ela precisa abraçar algo da sensibilidade da cultura pop e adotar novas formas de distribuição coerentes com a maneira como as pessoas consumem conteúdo."

A frase acima tem qualquer coisa de futurista e visionária. Parece que foi dita por um daqueles gurus da tecnologia que escrevem laudas na revista Wired. Na verdade, foi dita pelo jovem Scott Lindenbaum, um dos fundadores da Electric Literature, numa pequena conversa que tive com ele em junho do ano passado. Voltei a pensar nessa conversa por causa de "Caixa preta", o conto de Jennifer Egan que será postado a partir de hoje no twitter da editora Intrínseca com tradução de Juliana Romeiro.

(Falei dessa experiência envolvendo a autora num outro texto)

Não sei se a Jennifer conhece o Scott, provavelmente conhece porque a revista dele faz bastante sucesso nos Estados Unidos. Seja como for, ela captou o espírito desses tempos e lançou mão do twitter para publicar uma história de ficção (estimativas recentes apontam que o twitter é uma rede social com 100 milhões de usuários no mundo todo, ou seja, muita gente consome conteúdo por esse meio). Além disso, ao invés de simplesmente distribuir, ela experimenta outras maneiras de criar ficção por essa "ferramenta" usando narrativa em forma de notas, transportando uma personagem para um gênero narrativo diferente, publicando a história de maneira serializada etc. O conto foi publicado pela primeira vez no twitter da New Yorker e ganhou uma versão integral na edição impressa e no site da própria revista.

Egan usou um caderno japonês que tinha oito retângulos em cada página para escrever o conto. Curiosamente, antes mesmo de existir o twitter e o iPhone, os japoneses popularizaram uma forma de ficção que naquele tempo ficou conhecida como “romances de celular” (keitai shosetsu, em japonês) - uma espécie de pré-história da ficção nos meios eletrônicos. As histórias eram curtas e os leitores ainda podiam interagir, para termos uma ideia de qual avançado era o negócio. O sucesso foi tão grande que esses romances ganharam até versão impressa com vendas astronômicas.

Não sei dizer se a moda continua ou ganhou novos formatos. Afinal, os celulares de hoje tem telas maiores, cores e muitos aplicativos com uma infinidade de recursos. As pessoas também gastam muito mais tempo conferindo os aparelhos em busca de novas mensagens, fotos, check-ins etc. Aposto que todo mundo conhece um fulano que fica mexendo no celular durante a primeira meia hora do happy hour. Dessa forma, Egan tem de concorrer desonestamente com todo o resto. Só que não seria de todo mal acompanhar uma história escrita por ela enquanto a gente aguarda naquela fila sem fim para ver a exposição dos pintores impressionistas, no CCBB-SP.

O caderno Ilustríssima adiantou um trecho da tradução. Parece óbvio para alguns, mas os tuítes traduzidos conseguem ficar dentro dos 140 caracteres (dizem que ao traduzir um texto para o português ele aumenta em torno de 20% - alguém confirma a informação?).

Serviço: "Caixa preta" será transmitido diariamente pelo twitter da editora Intrínseca entre os dias 20 e 30 de agosto, das 22h às 23h, e comercializado em e-book a partir de 31 de agosto.

*P.S.: Sérgio Rodrigues teceu comentários super elogiosos sobre o conto. Tem tudo para ser uma experiência bacana - uma pena que esteja concorrendo com o horário da novela.

*P.S.: A bela capa de "Caixa preta" (reproduzida aqui em cima) ficou a cargo de Rafael Coutinho. Uma pena que a gente não vai vê-la em papel impresso - salvo se a gente imprimir na nossa casa.

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terça-feira, 14 de agosto de 2012

A LITERATURA E SEU TRABALHO SILENCIOSO

Depois de um longo e tenebroso inverno começo com uma falsa máxima tão genérica quanto improvável: no terreno da ficção literária ler e escrever são gestos demasiadamente solitários por mais que tentem provar o contrário. Explico melhor: escrever um texto de ficção exige do autor a solidão necessária para que ele seja uma mente concentrada capaz de inventar ideias e organizá-las a ponto de dar ao enredo a força que precisa - construindo um mundo ficcional com coesão e coerência. Guardando as devidas proporções, a mesma imagem de isolamento serve para o leitor.

Não descarto as experiências bem sucedidas de autores que escreveram livros "a quatro mãos", como dizem. Lembro, por exemplo, do elogiado livro de estréia da Vanessa Barbara e do Emilio Fraia,
O verão de Chibo. Parece que a ficção científica também foi um terreno fértil para as parcerias. Isaac Asimov e Robert Silverberg, William Gibson e Bruce Sterling tiveram seus momentos de Lennon e McCartney da literatura. Será que estou esquecendo de mais alguém?

Só que essas histórias foram escritas num tempo em que a internet ainda não tinha chegado a era potencializada do compartilhamento e da criação coletiva ao infinito. Todo mundo é capaz de citar pelo menos uma experiência que tentou de alguma forma fazer literatura contando com a colaboração de gente ao redor do mundo inteiro - tanto na produção quanto na leitura. Não acompanhei nenhuma dessas experiências de cabo a rabo. Pode ser que algumas nem tenham terminado ainda. Como deixaram de ser notícia, imagino que não tenham rendido bons frutos ou não tenham sido experiências de sucesso editorial.

De olho em tudo isso, Willy Chyr resolveu criar uma experiência que levasse o conceito de romance colaborativo ao limite. Dessa forma, nasceu o Collabowriter. A ideia é escrever e editar um romance contando com a colaboração de qualquer usuário da internet. Para participar você precisa criar uma conta, depois ler a história e sugerir uma frase com até 140 caracteres para continuar a ação. A frase vai para votação de todos os participantes. Aquela que tiver o maior número de pontos entra na história e novas sugestões podem ser encaminhadas já que o romance é escrito frase por frase.

A experiência toca em pontos interessantes: será realmente possível apagar o papel do autor solitário (como todo mundo cria, todo mundo será dono)? A história vai seguir uma estrutura narrativa de romance? Como ficam o tempo, o espaço e o narrador? As personagens poderão ser desenvolvidas em seu potencial? O editor único poderá ser finalmente eliminado (a temida figura que o romance colaborativo e a auto-publicação na internet tanto detesta)? Por fim, será que a história vai ser interessante?

Willy Chyr não tem pressa. Ele gostaria que a história continuasse sem prazo para acabar. Por enquanto só nos resta esperar. Daqui uns cinco anos voltamos nesse assunto, prometo.

*Imagem: Lesende Frau, de Jean-Honoré Fragonard/reprodução via Wikipedia
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