Depois de um longo e tenebroso inverno começo com uma falsa máxima tão genérica quanto improvável: no terreno da ficção literária ler e escrever são gestos demasiadamente solitários por mais que tentem provar o contrário. Explico melhor: escrever um texto de ficção exige do autor a solidão necessária para que ele seja uma mente concentrada capaz de inventar ideias e organizá-las a ponto de dar ao enredo a força que precisa - construindo um mundo ficcional com coesão e coerência. Guardando as devidas proporções, a mesma imagem de isolamento serve para o leitor.
Não descarto as experiências bem sucedidas de autores que escreveram livros "a quatro mãos", como dizem. Lembro, por exemplo, do elogiado livro de estréia da Vanessa Barbara e do Emilio Fraia, O verão de Chibo. Parece que a ficção científica também foi um terreno fértil para as parcerias. Isaac Asimov e Robert Silverberg, William Gibson e Bruce Sterling tiveram seus momentos de Lennon e McCartney da literatura. Será que estou esquecendo de mais alguém?
Só que essas histórias foram escritas num tempo em que a internet ainda não tinha chegado a era potencializada do compartilhamento e da criação coletiva ao infinito. Todo mundo é capaz de citar pelo menos uma experiência que tentou de alguma forma fazer literatura contando com a colaboração de gente ao redor do mundo inteiro - tanto na produção quanto na leitura. Não acompanhei nenhuma dessas experiências de cabo a rabo. Pode ser que algumas nem tenham terminado ainda. Como deixaram de ser notícia, imagino que não tenham rendido bons frutos ou não tenham sido experiências de sucesso editorial.
De olho em tudo isso, Willy Chyr resolveu criar uma experiência que levasse o conceito de romance colaborativo ao limite. Dessa forma, nasceu o Collabowriter. A ideia é escrever e editar um romance contando com a colaboração de qualquer usuário da internet. Para participar você precisa criar uma conta, depois ler a história e sugerir uma frase com até 140 caracteres para continuar a ação. A frase vai para votação de todos os participantes. Aquela que tiver o maior número de pontos entra na história e novas sugestões podem ser encaminhadas já que o romance é escrito frase por frase.
A experiência toca em pontos interessantes: será realmente possível apagar o papel do autor solitário (como todo mundo cria, todo mundo será dono)? A história vai seguir uma estrutura narrativa de romance? Como ficam o tempo, o espaço e o narrador? As personagens poderão ser desenvolvidas em seu potencial? O editor único poderá ser finalmente eliminado (a temida figura que o romance colaborativo e a auto-publicação na internet tanto detesta)? Por fim, será que a história vai ser interessante?
Willy Chyr não tem pressa. Ele gostaria que a história continuasse sem prazo para acabar. Por enquanto só nos resta esperar. Daqui uns cinco anos voltamos nesse assunto, prometo.
*Imagem: Lesende Frau, de Jean-Honoré Fragonard/reprodução via Wikipedia
terça-feira, 14 de agosto de 2012
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Oi Rafa,
ResponderExcluirO seu texto me fez lembrar do romancista e crítico Maurice Blanchot, que dedicou sua vida à "literatura e ao silêncio".
E a bíblia? Escrita há cinquenta mãos por alguns séculos. Há que se admitir que como literatura ela é bem desconexa e não muito bem escrita.
ResponderExcluir