Olha para trás, parece que tudo começou com a exposição New Publications da artista plástica Daniela Comani numa galeria de arte em Los Angeles. A fim de criticar a ausência feminina no cânone literário ocidental, a artista escolheu cinquenta e dois clássicos da literatura ocidental e mudou o gênero de seus títulos - de masculino para feminino e vice-versa.
Logo depois, em tom de celebração a questão feminina, a revista Granta lançou uma edição com o tema "The F Word" ("A palavra F", em tradução literal) mostrando como o feminismo continua tentando romper o poderoso domínio masculino no mundo. Na autoria dos textos mulheres (e somente mulheres) de diversas partes do mundo olhando para a questão feminina. Entre elas Lydia Davis, A.S. Byatt e Téa Obreht num texto de introdução a um ensaio fotográfico de Clarisse d’Arcimoles. Se não estou enganado é a primeira vez que a revista se dedica ao tema. De quebra o site da Granta disponibiliza mais conteúdos: um podcast entre Sigrid Rausing, editora da revista, e duas escritoras, Rachel Cusk e Taiye Selasi; um post sobre as "bíblias do feminismo" no mundo com direito a discussão no twitter protagonizado pelos leitores (leitoras!) dizendo quais são suas "bíblias" particulares; tem ainda o prefácio de Helen Dunmore para uma nova edição do romance Rumo ao farol, de Virgína Woolf que está saindo na Inglaterra - ninguém melhor do Woolf para corroar esse tema.
Curiosamente, a revista Esquire (publicação voltada ao público masculino) divulgou em seu site uma lista com 75 livros que todos os homens deveriam ler. Nenhuma novidade, listas surgem a toda momento e escolhem os temas mais diversos. A seleção inclusive tem um mérito particular por incluir medalhões da literatura: Dostoiévski, Tolstói, John Le Carré, Raymond Carver, Jorge Luís Borges, John Steibeck, Cormac McCarthy, James Joyce, Philip Roth, John Updike, Ernest Hemingway, William Faulkner, Saul Bellow, Charles Bukowski, Joseph Conrad, F. Scott Fitzgerald, Salman Rushdie, Kingsley Amis, Vladimir Nabokov, Don DeLillo e tantos outros. Porém, o que poderia ser uma lista à toa causou uma grande indignação feminina por citar apenas uma única escritora: Flannery O'Connor. Como em tempos de internet todas as notícias se espalham com facilidade não faltaram manifestações nas redes sociais contrárias a Esquire. A revista Joyland, por exemplo, fez uma lista com 250 livros escritos por mulheres que todos os homens deveriam ler. Pode ser que a revista não tenha feito de propósito, vai saber.
Em outro momento, o Book Bench da New Yorker, sem querer, também tocou no assunto literatura feminina. Elizabeth Minkel escreveu um post - Bad Romance? - comentando uma pesquisa sobre os danos que os romances podem causar as mulheres (víciam, por exemplo). Ela até toca na polêmica envolvendo a escritora Jennifer Egan, recém-ganhadora do prêmio Pulitzer. Numa entrevista ao Wall Street Journal, Egan falou contra o gênero Chick-Lit.
O caso V.S. Naipaul
Para encerrar o assunto, essa semana V.S. Naipaul, escritor renomado e ganhador do prêmio Nobel, atacou a literatura feita por mulheres. Segundo reportagem do Guardian, quando perguntado se poderia haver alguma escritora que se igualasse a ele a resposta foi "eu acho que não". Ele citou Jane Austen dizendo "não posso compartilhar suas ambições sentimentais" e ainda disse "eu leio um texto e em um ou dois parágrafos consigo saber se foi escrito por uma mulher ou não". O jornal lembra que Naipaul sempre diz coisas que ganham repercussão citando a desavença entre ele e Paul Theroux que foi dissipada nessa mesma semana.
Em forma de brincadeira, o Guardian criou um jogo em que os leitores são convidados a descobrir se o trecho foi escrito por um homem ou uma mulher. Seria muito engraçado ver o desempenho de Naipaul. Será que ele teria mais acertos do que erros?
No Brasil
Entre nós, brasileiros, a literatura feita por mulheres também sofre do mesmo mal. Quem quiser entender mais sobre o assunto pode recorrer ao artigo Feminismo e literatura no Brasil, de Constância Lima Duarte que foi publicado pela revista Estudos Avançados. Tem também o clássico livro A literatura feminina no Brasil contemporâneo, de Nelly Novaes Coelho.
À guisa de conclusão listo algumas escritoras brasileiras que todos os homens deveriam ler: Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Marina Colassanti, Hilda Hilst, Carola Saavedra, Verônica Stigger, Andréa Del Fuego, Cecília Giannetti, Tatiana Salem Levy, Carol Bensimon, Lívia Sganzerla Jappe e Vanessa Bárbara.
Alguém sugere mais alguma?
*imagens: reprodução.
Controvertido o tema, mas faz pensar. Gostei da maneira como você o abordou aqui. E não acho que lituratura feminina é inferior à masculina, se é que tem que haver mesmo essa "cisão". Afinal, não é tudo literatura?
ResponderExcluirbem legal o post! mesmo.
ResponderExcluirfaltaram as poetas, né? brasil sem ana cristina não dá, rs. cecília meireles canônica tb.
divulgarei.
Oi, Ana,
ResponderExcluirO blog é voltado para ficção em prosa, por isso não inclui o pessoal da poesia. Mas vc tem razão, sem Ana Cristina não dá! Obrigado pelo comentário