Scott Lindenbaum, um dos fundadores da Electric Literature, participou do projeto "Oi Cabeça", no Rio de Janeiro. A revista "eletrônica" tem um modelo bacana: existe em versão impressa apenas por demanda (ou seja, só imprimem uma edição quando existe algum pedido de compra); e existe ainda uma versão digital para e-readers, Kindle e iPhone. Como a versão digital não precisa de impressão o custo gráfico é reduzido. Com o dinheiros os editores investem em novos autores e pagam muito bem.
Antes da Electric Literatura, Scott era competidor de snowboard. Ele fez mestrado em escrita criativa no Brooklyn College, nos Estados Unidos. Foi lá que ele conheceu Andy Hunter, co-fundador da revista.
Conversei com o Scott por e-mail. Nós falamos sobre como tudo começou, o modelo de publicação, o formato da revista e sobre o futuro, claro.
A Electric Literature foi criada em 2009. Desde então você já publicou cinco edições com contos de vários escritores famosos como Michael Cunningham, Jim Shepard, Lydia Davis, Bender Aimee, Moody Rick, Javier Marías e outros. Gostaria de falar um pouco sobre o momento em que você criou a revista. Como surgiu a idéia de criar uma revista com distribuição em múltiplas plataformas? O projeto me parece único, portanto eu imagino que vocês devem ter começado tudo isso sozinhos: arrecadar dinheiro para a primeira edição e encontrar as pessoas certas que poderiam ajudar.
Andy Hunter e eu começamos a Electric Literature em 2009, mas nos conhecemos na faculdade em 2006. Quando nos formamos em 2008, o clima editorial em Nova York era desanimador. A maioria das conversas sobre o futuro da palavra impressa não era muito inspiradora ou era sombria na melhor das hipóteses. Nós dois tínhamos trabalhado juntos numa revista literária da faculdade chamada The Brooklyn Review e sabíamos que depois de formados queríamos fazer algo juntos, mas não fazia sentido começar mais uma revista de literatura. Nós dois tivemos a cultura pop como formação – Andy foi o editor-chefe da revista MEAN em Los Angeles e eu fui profissional de snowboard por dez anos – e sabíamos que se a literatura fosse prosperar na era digital ela precisava abraçar algo dessa sensibilidade pop. Também sabíamos que isso significaria adotar novas formas de distribuição que fossem congruentes com a forma como as pessoas estavam consumindo conteúdo hoje. Mais ou menos nesse tempo, houve um grande artigo na revista New Yorker sobre adolescentes escrevendo romances em celulares no Japão que estavam sendo lidos digitalmente por milhões de pessoas. Mais tarde descobri que este estilo de composição tinha se tornado um fenômeno e que os editores japoneses tradicionais foram pegando esses romances digitais e trazendo para o impresso. A New Yorker enquadrava isso como uma curiosidade, e talvez estivesse implícito que isso só poderia acontecer no Japão, mas nós sabíamos que a cultura ocidental não poderia estar tão atrás.
Em 2009 o papo sobre e-reading começou. Levantamos cerca de US $ 65.000 para começar a Electric Literature. Até o final de 2010 era falido mesmo, agora suporta uma pequena equipe. Nos primeiros dias não foi fácil convencer escritores de alto nível de que o que estávamos fazendo era legítimo. "Ah", eles diziam: "vocês colocam histórias em celulares, certo?" Naquele momento "histórias em celulares" significavam "não ser realmente publicado". Michael Cunningham estava na nossa primeira edição. Ele teve que lutar com unhas e dentes com seu agente e editor para conseguir que isso acontecesse, mas o fato de ter feito foi enorme para gente desde o início.
Nesses dois anos você encontrou resistência de algum agente literário ou escritor? Alguém já disse "não" ao seu convite? E você acha que desde a primeira edição as coisas mudaram, as pessoas têm se adaptado ao seu modelo de distribuição? Você sente que alguma revista se inspirou no mesmo modelo da sua?
Definitivamente havia mais resistência para publicar com a gente em 2009 e início de 2010 do que existe hoje. Eu não acho que foi inteiramente por causa do formato digital na maioria das vezes. Foi também porque éramos de fora. Andy e eu não tínhamos ido para a Universidade de Nova York ou Universidade de Columbia, não éramos escritores publicados amplamente, não tínhamos estagiado na Paris Review, etc É um grande negócio para um autor reconhecido internacionalmente confiar a obra dele a você. Nós definitivamente tivemos que conquistar essa confiança. Uma vez um escritor ganhador do National Book Award concordou em colaborar junto com um ilustrador internacionalmente aclamado. A idéia era criar uma forma inovadora, uma peça literária multimídia feita especificamente para o iPad. O projeto foi descartado pelo agente do escritor. Uma pena. Um dia, um escritor genial vai enfrentar algo assim e repensar a experiência literária como a conhecemos.
Por que a Electric Literature publica apenas contos e não inclui ensaios ou entrevistas? E por que somente cinco contos?
Quando olhamos para outras revistas literárias que gostamos, como Tin House, Granta, N+1, The Kenyon Review, ou A Public Space, vimos uma mistura de formas literárias, fotografia e trabalho artístico. Mas quando mostramos essas revistas aos nossos amigos que não cursaram mestrado, eles não sabem o que fazer com elas. Muitas vezes, essas revistas tem centenas de páginas, e porque não se concentram num tipo particular de escrita, os leitores médios pegam e pensam algo como "tem a poesia e fotos vanguardistas, não tenho certeza se isso é para mim”. A verdade é que essas revistas são ótimas, mas elas também são muito intimidadoras se você não está profundamente enraizada na cultura literária. Queríamos fazer uma revista que qualquer leitor de ficção poderia pegar e ler de capa a capa em uma tarde e ter uma experiência inteiramente positiva. Cinco histórias significam que cada edição raramente tem mais de 120 páginas.
O iPad e os e-readers permitem aos editores usar não apenas textos, mas misturar textos com vídeos, imagens e som. Isto significa que nós podemos dar o livro (ou as obras de ficção) formatos nunca antes imaginados. Você acha que a ficção pode se tornar menos importante do que a tecnologia? Em outras palavras, você acredita que em breve vamos preferir vídeos, imagens e sons aos textos como a gente os conhece?
Eu não acho que a ficção vai se tornar menos relevante só porque a tecnologia se torna mais avançada. Telas, como papel, são apenas um mecanismo de entrega de uma experiência. Por centenas de anos a impressão de tinta no papel foi a forma mais eficiente de trazer uma experiência literária para a maioria das pessoas. Se é mais eficiente usar um celular ou tablet para o mesmo fim, que seja assim. A experiência singular transmitida pela grande ficção de mergulhar na consciência de outro ser humano permanece transcendente independentemente do meio em que circula. Eu realmente acho que as pessoas vão comprar livros tradicionais por motivos diferentes de quando compram e-books. Isso é semelhante à maneira como um consumidor decide comprar um disco que realmente ama em vinil ao invés de baixar o MP3. Dizem que o vinil está em alta na era do iTunes, mas não é porque ouvir vinil é conveniente. A experiência do vinil é diferente na medida em que conecta o ouvinte com a história de uma forma que o MP3 não conecta. Além disso, colocar um disco para tocar é fisicamente diferente do que selecionar uma música no iTunes. A experiência tem valor tangível. Esta será a verdade dos livros também.
E como está a Electric Publisher? Você tem recebido muitos pedidos?
Nós usamos o modelo do nosso aplicativo para iPhone para fazer aplicativos para The Adderall Diaries, de Stephen Elliott, Human Rights Watch e Melville House Press, mas nós colocamos esse projeto de lado para nos concentrar em outra iniciativa de narração digital chamada Broadcastr, que já está disponível no iPhone e nos Androids. Ele permite a pessoas do mundo inteiro contar histórias com suas vozes e, em seguida, colocar essas histórias no lugar do mapa onde a história aconteceu. Os ouvintes podem então andar pelo mundo ouvindo histórias sobre o que os cerca, como um passeio por tudo.
Quais são seus planos para os próximos dois anos da Electric Literature?
A Electric Literature vai continuar publicando boa ficção, isso sempre será uma verdade. Mas também estamos trabalhando em muitos projetos de grande conceito, incluindo algo muito extravagante com Ann Carson. Mal posso esperar para contar mais detalhes.
*imagens: divulgação/Scott Lindenbaum.
quinta-feira, 23 de junho de 2011
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Tenho um romance. Parece que todos têm um romance escrito entre árvores de uma selva inóspita... Podemos nos contatar?
ResponderExcluirAcho que em toda selvageria de interesses, a qualidade literária é o que importa. Aliás, para ser escritor,bom ou ruim, não é preciso ser professor de teoria literária.
Djalma: serrajnr@ig.com.br