Existe coisa mais importante para o jornalismo do que uma entrevista? Uma constatação meio prosaica faz a gente pensar que essa pode ser uma das ações mais antigas do homem. Afinal, desde os tempos mais remotos um sujeito interpela outro a fim de obter informações, esclarecer dúvidas e fazer uma descoberta. Pense, por exemplo, naqueles clássicos diálogos socráticos. No entanto, saltando um pouco na história, com a formatação do jornalismo moderno a entrevista ganhou uma importância enorme. Ela se tornou a arte de saber perguntar, observar, ouvir, refletir, esperar e interromper - sendo que cada coisa tem de acontecer no momento certo; caso contrário tudo pode ir por água abaixo. Sua importância para o jornalismo é tão grande que qualquer reportagem construída sem essa interpelação tende a ficar pobre.
É na entrevista que podemos perceber melhor a figura do entrevistado. Chegamos a ele sem nenhum filtro: notamos seu silêncio, seu humor, sua incompreensão, os desvios na conversa e vemos as suas reações. Não é raro acontecerem grandes revelações que vão nos causar espanto ou indignação. Chego a pensar que a entrevista é capaz de nos colocar cruamente em contato com a humanidade ou a invenção de uma pessoa.
Uma pena que um pouco disso esteja se perdendo por causa a velocidade que os novos meios de comunicação impõe. Se por um lado a comunicação ficou mais fácil (não existem mais tantas barreiras para entrar em contato com alguém), as pessoas ficaram mais apressadas e os textos mais curtos. Isso para não comentar a obrigatoriedade das famosas "aspas" mal encaixadas.
Jornalismo literário ou gonzo
Por sorte, em geral, as revistas de literatura e os cadernos culturais investem nas grandes entrevistas e dão mais espaço para o repórter explorar o entrevistado o quanto possa - o que não quer dizer que ele o faça. Na internet, apesar de não existir o problema do espaço, é mais difícil captar a atenção do leitor disperso e publicar entrevistas extensas na íntegra. O editor ou a figura que vai publicar o material precisa criar atrativos para o leitor não ir embora - dai a importância das fotos, legendas, subtítulos etc. Quem sabe a relação leitor/internet não mude com os novos tablets e celulares (o tal mundo "pós-pc").
Imagino que em contrapartida ao mundo apressado da internet, o jornalismo literário e o jornalismo gonzo chamam mais a nossa atenção. Neles existe espaço para a reportagem arejada, bem escrita, envolvente e exaustivamente apurada. Reportagens históricas do jornalismo literário estão recheadas de entrevistas - sem elas a reportagem nem poderia existir. E o que dizer do jornalismo meio gonzo? Pense nas entrevistas do Pasquim: extremamente informais, espontâneas e altamente reveladoras.
A arte de entrevistas escritores
Puxando um pouco a sardinha para a nossa brasa, há três livros que registram grandes entrevistas de escritores. O primeiro deles foi lançado pela Companhia das Letras, As entrevistas da Paris Review - vol. 1. Talvez o livro dispense longas apresentações porque a revista é bastante antiga e muito conhecida por suas entrevistas - quase definitivas de um momento da vida de um escritor. Quase todos os grandes escritores modernos já apareceram em suas páginas. Pelo que li, elas consomem muito tempo para serem construídas e são minuciosamente editadas e revisadas. O primeiro volume tem entrevistas de Paul Auster, Jorge Luis Borges, Truman Capote, Louis-Ferdinand Celine, Javier Marías, William Faulkner, Ernest Hemingway, Ian McEwan e outros.
O segundo livro foi lançado no ano passado no Brasil pela editora Arte e Letra, Conversas entre escritores. Mergulhando no esquema de entrevistas informais e encontros despretensiosos, o livro registra a conversa sem compromisso de renomados escritores contemporâneos. Lembra um pouco o esquema da revista Interview (criada por Andy Warhol) e do Pasquim. As conversas foram organizadas e publicadas pela Believer, uma das revistas literárias mais bacanas do momento. Tem Nell Freudenberger na cozinha com Grace Paley, Ben Marcus em uma calculadora com George Saunders, Vendela Vida em um café com Jennifer Egan, Jonathan Lethem no Brooklyn com Paul Auster, Zadie Smith na casa de Sábado com Ian McEwan e outros mais.
Para finalizar, o terceiro livro foi lançado no final do ano passado pela editora Arquipélago Editorial, As melhores entrevistas do Rascunho – Vol. 1. O jornal Rascunho é bastante conhecido de qualquer sujeito que busca informações literárias. No ano passado completou dez anos e de brinde publicou esse livro de entrevistas com organização do escritor Luís Henrique Pellanda. As longas entrevistas são reveladoras e traçam um painel da literatura brasileira digno de nota. Tem entrevistas com Altair Martins, Bernardo Carvalho, Cristovão Tezza, Elvira Vigna, João Ubaldo Ribeiro, Luiz Ruffato, Milton Hatoum, Sérgio Sant’Anna e outros mais.
*imagem: reprodução.
quarta-feira, 15 de junho de 2011
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