domingo, 19 de setembro de 2010

DAVID FOSTER WALLACE


Tristan Tzara termina sua receita para um poema dadaísta com a seguinte frase: "E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público". Subvertendo alguns dos seus sentidos, a frase se encaixa muito bem com a obra do escritor americano David Foster Wallace. Seus livros são altamente originais e recheados de momentos sensíveis, mas são imcompreendidos graças ao forte caráter experimental*.

Sucesso de crítica, David Foster Wallace era tido como um promessa para a literatura do século XXI. Infelizmente ele cometeu suicídio em 2008 depois de um período longo de depressão profunda. Deixou uma obra composta por romances monumentais, livros de contos e artigos escritos para jornais e revista americanas. Infinite Jest, publicado em 1996, chegou a ser comparado ao Ulisses, de James Joyce. No Brasil, Breves entrevistas com homens hediondos foi seu único livro publicado.

Ao que parece, Foster Wallace tinha certa preocupação em dar continuidade a tradição de ficcionistas americanos que o precediam. Leitor de Thomas Pynchon e Don Delillo, ele tentava arranjar uma maneira de soar original e encontrar uma voz própria. A tarefa era difícil, esses autores transformaram radicalmente a ficção americana e a levaram a lugares nunca antes visitados. A saída encontrada por Foster Wallace foi descontruir a linguagem e atacar a estrutura da narrativa.

Isso explica porque sua ficção é repleta de lacunas, espaços em branco, palavras inventadas, frases bem longas, pontuação irregular, muitas intervenções, fórmulas matemáticas, diálogos imensos, etc. A metalinguagem e as enormes notas de rodapé também são marcas de seu estilo. Os temas giram em torno da classe média americana, mas de uma maneira mais sarcáticas e cheia de humor negro. Suas personagens sempre sofrem de algum tipo de psicose ou vivem as voltas com certas obsessões. Elas são capazes de falar por páginas e mais páginas sobre um mesmo assunto. Sexo, drogas e pervesão aparecem a todo o momento.

Porém, também existe espaço para a beleza, a alegria e o humor. As situações insólitas das histórias causam gargalhadas. Muitos críticos chegam a dizer que Foster Wallace tomou emprestado a classe média de Updike e a levou para o lado obscuro, ironico e sarcástico da vida. Atrás do caos aparente existe a sensibilidade de um escritor que está nos mostrando aos mesmo tempo a força e a fraqueza humana.

O experimentalismo em excesso às vezes pode afastar o leitor menos desavisado. De fato, em certos momentos o enredo parece não sair do lugar ou o assunto fica por demais árido - como é o caso de Datum centurio e Adult World (II), ambos de Breve entrevistas com homens hediondos.

Essa semana duas notícias devem colocar o nome de Foster Wallace em evidência novamente: o arquivo do escritor que está sob os cuidados do Harry Ransom Center, Universidade do Texas foi aberto ao público; e Pale King, um romance inacabado, terá publicação no ano que vem. Alguns trechos desse romance foram publicados na revista New Yorker: Good people, Wiggle room e All that.

Tomara que novas traduções de Foster Wallace apareçam no Brasil. Tive notícia de que dois livros de não ficção devem estar a caminho.

* Me refiro as modificações radicais da linguagem e das estruturas narrativas. Também quero deixar claro que não estou exaltando o "experimentalismo" em detrimento de outros modos de expressão.

**imagem: reprodução da NY Mag.

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2 comentários:

  1. O conheci através da indicação de um grande amigo. Como uma ótima leitura. Após fechar o volume, fiquei com a sensação engraçada. Ora o eco de um soco, ora o uma bofetada, e o clima interior de uma profunda tristeza.
    Concordo com todas as suas observações.
    Se eu pudesse escrever algo, apenas anotaria que a leitura não é, exatamente, difícil, ela requer curiosidade e paciência. E são estes artigos que estão em falta no mercado.
    O seu texto ficou muito bom e atraente. Abraços.

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  2. Djabal,
    Vc resumiu bem: é uma leitura que requer curiosidade e paciência. O que me chamou mais atenção foi o fato de existir muita humanidade por trás do experimentalismo narrativo. Uma coisa não esconde a outra e não é difícil pra gente perceber esses momentos. Também achei de uma renovação na maneira de escrever.

    Obrigado pelos comentários.

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