Qual foi o primeiro livro que você leu e que teve impacto sobre você?
Sendo injusto com muitos outros livros, eu destacaria dois. O primeiro é dos poucos que li quando era muito pequeno e de que me lembro até hoje: "Marcelo, marmelo, martelo", da Ruth Rocha. Nele, um garoto que não se conforma com os nomes das coisas decide inventar outros que considera melhores, normalmente relacionados ao uso. É curioso que (claro que só dá para pensar nisso hoje, na época era só uma história divertida) a autora trate de algo que tem muito a ver com o ofício da literatura, não? Renomear tudo que há é uma forma de criar ficção.
O segundo livro marcante é um épico que li por volta dos dez, onze anos: "Xogum". É um best-seller dos anos 70, que conta a chegada dos primeiros jesuítas ao Japão feudal. Nunca mais voltei ao livro, então não sei se ele ainda se sustenta na estante - o que é, aliás, um bom motivo para não voltar jamais: manter intacta a nostalgia. O fato é que naquela época era impossível largar a aventura do capitão inglês que ascende na rígida hierarquia dos samurais e conhece a cultura tradicional japonesa, enquanto se envolve na luta pelo poder. Que alegria o livro ter centenas e centenas de páginas e preencher muitas tardes tediosas.
Alguma vez você considerou a hipótese de não ser escritor?
Até publicar o primeiro livro, eu nunca havia considerado a hipótese de ser escritor, apenas escrevia bastante sem pensar no que faria com tudo aquilo. Depois, a dúvida mudou de aspecto. Passou a ter a ver com a dificuldade de definir o que é exatamente ser escritor. Se, por ter escrito e publicado dois livros, eu tiver ganho a alcunha, independentemente do que eu venha a fazer daqui por diante, aí a questão está resolvida: sou escritor e ponto. Mas não me sinto confortável com a ideia. Quando fico um período longo sem escrever ficção, aceito com mais dificuldade a denominação, e aí considero a hipótese de ter deixado de ser escritor. Como a gestação de um livro normalmente é bem longa, no meu caso, não é raro esse conflito me assombrar. O bom é que, como escrever é das poucas coisas que considero saber fazer minimamente bem (com exceção de não fazer nada, no que sou um mestre), essa angústia acaba por me obrigar a lutar com aindisciplina e seguir produzindo.
Na sua opinião, todas as histórias já foram escritas ou ainda é possível criar novas histórias? Há novas formas de contar histórias?
Sempre será possível contar novas histórias. Isso porque na literatura (ou em qualquer outra arte que se serve da narrativa) o importante é de que forma se conta o que se conta. Então o número de combinações se torna infinito. Com o mesmo material, com exatamente a mesma trama, o mesmo mote, os mesmos personagens, artistas diferentes fazem histórias absolutamente novas. Há inúmeros exemplos disso. A história de Fedra foi contada no teatro por Euripides, Sêneca e Racine, cada um a seu modo. Além disso, mudam os tempos, novas histórias aparecem, novas formas são inventadas. A tecnologia, por exemplo, alimenta as maneiras de contar histórias. O cinema é uma forma de contar histórias que tem pouco mais de 100 anos. A internet fornece novas formas. E assim por diante.
No que você está trabalhando agora?
Além do meu trabalho regular como editor, estou escrevendo um romance.
Quem são os seus escritores favoritos com mais de quarenta anos?
Vou citar os que me vêm a memória agora e que considero bons, sem pensar muito em se são os favoritos. Dos brasileiros, gosto muito do trabalho do Rodrigo Lacerda, do Alberto Mussa, do Reinaldo Moraes, do Luiz Ruffato. Dos estrangeiros, gosto do Phillip Roth, do Lobo Antunes, do Vila-Matas. Agora, favorito mesmo, o que mais li, já está morto: é o Jorge Luis Borges.
*ilustração: Nathalia Lippo.
legal!! gostei, e me lembrou que eu preciso ler xogum
ResponderExcluirMas o que escreveu já lhe rende o título!
ResponderExcluirLembro desse diálogo:
-Mas Joseph Heller, depois de escrever Ardil-22, você, heim? Escreveu mais nada...
- É, mas não é qualquer um que escreve um Ardil-22.
Algo assim... ehe