quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CARLOS DE BRITO E MELLO


Qual foi o primeiro livro que você leu e que teve impacto sobre você?
Não consigo me lembrar com clareza do meu primeiro livro. Na infância, quando eu ainda não sabia ler, minha mãe lia para mim. Então, algumas obras que ela escolhia passaram a ser, à medida que eu aprendia a ler, as minhas obras de referência. A escola também foi decisiva nisso. Na lista das primeiras leituras estavam: Flicts, do Ziraldo; a saga do Picapau Amarelo, do Monteiro Lobato (na escola, sobretudo, onde o estudo da obra foi empregado com muita sensibilidade no próprio processo de alfabetização); e O pequeno Nicolau, de Sempé e Goscinny (que era uma leitura da minha mãe). Acho que esse primeiro contato com a leitura foi marcantemente amoroso para mim e, com isso, estabeleceu uma relação entre a experiência da palavra e a experiência afetiva que, hoje, percebo em meu trabalho. Mais tarde, na pré-adolescência, tive contato com outra obra incrível: O gênio do crime, de João Carlos Marinho. Daí vieram, do mesmo autor, Sangue Fresco, Caneco de Prata e mais..., vinculando, de maneira decisiva para mim, narrativa e aventura.

Alguma vez você considerou a hipótese de não ser escritor?
Eu tenho outras atividades além da literária: sou professor universitário, tenho diploma de jornalista, desenvolvo atividades relacionadas às artes plásticas (sobretudo com pintura e desenho) e faço formação psicanalítica. Nada disso se opõe à escrita, nada disso a neutraliza – embora haja sempre uma disputa pelo tempo. Acho que, por um lado, ser escritor é uma construção difícil, improvável, sem certificação, sem diploma, sem comprovação de endereço. Então, ser escritor significa ser também algo que carece de materialidade, de objetividade, de certeza. É uma estranha forma, digamos... de não ser. Por outro lado, acho que, depois de ter me dado conta desse desejo, do desejo de escrever, se eu não escrevesse, ainda assim seria um escritor, um escritor sem obra talvez... (risos). Depois que você aceita a escrita, como se aceita algum tipo de maldição, não tem retorno. Ainda que você não escreva, vai continuar amaldiçoado.

Na sua opinião, todas as histórias já foram escritas ou ainda é possível criar novas histórias? Há novas formas de contar histórias?
Acho que é sempre possível contar outras histórias, não necessariamente novas. Os enredos de Rei Lear e Hamlet, por exemplo, já existiam antes que Shakespeare os transformasse em obras-primas. Talvez porque a questão resida mesmo na produção de um modo singular para a palavra, e esse modo é formulado na tensão do espírito com o seu tempo. Não há como prevê-lo. A própria noção de quem somos configura-se como uma pequena e ordinária narrativa que nos localiza no mundo. A literatura tanto pode atuar tanto nesse processo de localização quanto de retirada: aí o mundo não se torna nem melhor nem pior; torna-se apenas um outro mundo que foi aberto pela palavra.

No que você está trabalhando agora?
Estou trabalhando no próximo romance. O projeto foi selecionado pela Bolsa Funarte de Literatura, então, devo ter seis meses para realizá-lo. Estou enfrentando aquelas jornadas longas de trabalho em que passo mais tempo tateando do que compreendendo. Prefiro reservar minhas manhãs para isso, para que a escrita não seja muito afetada pelo resto do dia.

Quem são os seus escritores favoritos com mais de quarenta anos?
Dentre tantos, vou citar três potentes referências para mim: Bernardo Carvalho, Luiz Ruffato e Lourenço Mutarelli.

*ilustração: Nathalia Lippo.

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