quinta-feira, 2 de setembro de 2010

MAIS OBSERVAÇÕES SOBRE O CONTAR


O crítico Sérgio Rodrigues do blog Todoprosa escreveu um post interessante essa semana sobre a questão da trama nas nossas narrativas comtemporâneas - o post se chama "O gosto de contar". Gostaria de repercutir o post que ele escreveu e ampliar o problema comentando mais alguns pontos que julgo interessantes.

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Realmente a trama, o enredo, a história ou o conteúdo é um ponto importante para que o leitor possa se sentir atraído pelo que está lendo. É por meio dela que ele vai experimentar a forma da narrativa e o exercício de linguagem de um determinado autor. Quando o conteúdo consegue se adequar a forma temos um encontro extraordinário e muito difícil de atingir. Lionel Shriver falou sobre essa questão numa entrevista recente ao programa Entrelinhas, da TV Cultura. Em muitos momentos é amargo mastigar e engolir "a fibra dura de exercícios de linguagem", como diz Sérgio. Mas nem sempre esse descaso com a trama é intencional por parte do autor. Tampouco é fruto de um ódio oculto que ele mantém em relação a literatura. Na verdade, penso eu, a morte da trama é parte de um processo histórico que vem ocorrendo desde o final do século XIX e ganhou força com as vanguardas artísticas no começo do século passado. Diante do impasse de sempre criar algo novo, o caminho encontrado por muitos escritores foi atacar a trama, denunciar a linguagem e o processo de feitura das narrativas literárias. A ideia era revelar a linguagem e matá-la - como apontou Roland Barthes, Michel Foucault, etc. Talvez a maior expressão desse processo tenha ganhado corpo justamente com os franceses do Nouveau Roman e da OuLiPo.

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Não podemos esquecer que os romances, contos e fábulas estão inseridas no contexto histórico em que são produzidos - elas refletem sobre as questões de uma determinada sociedade e sobre um determinado tempo, no momento em que são escritos. Embora a gente leia com certa distância, não podemos considerar essas obras isoladas desse contexto.

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O leitor é uma figura importante, mas o processo narcisista de olhar para uma história e querer reconhecer apenas a si mesmo precisa ser balançado. O leitor precisa encarar o fato de que o livro que está lendo é árido porque naquele momento aquele experimento foi importante. O leitor também precisa tentar passar por alguns desafios que o texto impõe. Inclusive o de ser desvendado como linguagem.

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Vivemos um momento em que contar boas histórias é muito importante, porque os leitores estão mesmo atrás delas. A forma demasiado elaborada não interessa muito. Chego a pensar que os leitores tendem a comentar muito mais a história do que a forma de um livro, mesmo que esse livro consiga conciliar as duas coisas de maneira harmônica. Esses fatos provam que o experimento de linguagem, como proposto pelas vanguardas e como querem os defensores da forma, não triunfou. As vanguardas do começo do século passado ficaram datadas.

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Valorizar a trama também não significa que dizer ela deve ser altamente elaborada. Muitas histórias boas são frutos de tramas muito simples. "Mrs Dalloway", de Virgínia Wolf, por exemplo, é um romance sobre uma mulher que está preparando uma festa de aniversário. Os contos de Tchekhov também são sobre acontecimentos banais. Os contos escritos pelos autores modernos também estão cheio de outros exemplos. O autor não precisa ir em busca de "passar uma rasteira no leitor" e surpreendê-lo sempre. Muitas vezes importa mais a maneira como a trama é desenvolvida do que como ela vai se concluir. Talvez seja nesse momento que surja o privilégio da linguagem.

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Os exercícios de linguagem e os textos mais experimentais nascem do nosso desejo de criar o novo e encontrar novas formas de expressão. Isso é algo do nosso tempo moderno - ou pós-moderno, se preferirem. É um tipo de exercício que não pode simplesmente ser deixado de lado porque para a narrativa literária ele compõe uma dialética entre forma e conteúdo.

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Para concluir, penso que realmente esse gesto de contar histórias nunca vai acabar. Nem a fonte de onde elas brotam. Porque cada ser humano possuí tem uma experiência muito particular da vida. Cada um enxerga as coisas a sua maneira. É dessa riqueza, dessa diversidade que vem as histórias, as tramas, os enredos. As hitórias vão durar até que o último ser humano deixe de existir - "e depois disso, que diferença faz?", como disse Sérgio no post dele.

*imagem: reprodução do Google.

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