Os argumentos de Alcir Pécora em relação a crise da literatura contemporânea brasileira (e em certa medida mundial, por que não?) causaram um pequeno beco sem saída. Quem não responde aos argumentos do crítico parece que atesta o fato de que vivemos um momento de conformação total. Por outro lado, quem responde acaba contribuindo para a tal inflação da "bolha de produção simbólica de hoje". O impasse vale mais para a internet - blogs e redes sociais - pois me parece que foi aqui que o falatório ganhou mais corpo. Nos jornais e revistas, apenas o Prosa & Verso e a coluna Painel das Letras, da Ilustrada, tocaram no assunto.
Seja como for, o debate da série Desentendimento e o artigo no Prosa & Verso serviram para reafirmar, reforçar e trazer à baila algumas ideias que incomodam muita gente e circulam soltas no meio acadêmico, nas críticas de jornal/revista e nas mesas dos botequins. Qualquer pessoa que lida com literatura vive as voltas com essas ideias - ou pelo menos deveriam viver. Não gostaria que o debate esfriasse porque dele podem brotar novas ideias e bons argumentos.
Na falta de conseguir articular um texto longo, montei uma colcha de retalhos de reflexões alheias que servem como diálogo para a situação apontada por Pécora. Não quero definir ou encerrar o assunto, acho difícil alguém fazer isso. Os textos nem sempre são reações diretas a série Desentendimento ou ao artigo. Fui catando por aí o que me parecia significativo, mais interessante. Será que também vou contribuir para a "inflação simbólica das narrativas"?
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Sobre a inflação simbólica das narrativas
A tal "inflação simbólica das narrativas" é uma manifestação da era da internet. A invenção dos blogs e redes sociais foi aos poucos detonando a importância vertical da figura do crítico e causou uma horizontalização nos discursos, conversas, comentários, opiniões, etc. (peguei a ideia emprestada do Alexandre Matias, editor do caderno Link do Estadão).
As ferramentas de comunicação abriram portas para que todas as pessoas pudessem manifestar a sua voz - independente de terem algo importante a dizer. Consequentemente ficamos fissurados em buscar, compartilhar e opinar sobre tudo o que nos cerca. É por isso que postamos em blogs e redes sociais as nossas conversas privadas e as nossas ações, antes mesmo delas acontecerem de fato.
Não podemos impedir. É um processo sem volta que está causando uma série de transformações na leitura/produção de literatura. Somente com o tempo vamos saber analisar se essas mudanças são boas ou ruins e para onde elas estão nos levando. Nesse momento, precisamos aprender a conviver com elas. Tem gente acompanhando de perto e discutindo tudo isso em congressos, encontros, simpósios, palestras, livros e também na internet.
Até aproveito para comentar a falta de debates destinados ao assunto "literatura e internet" nesses congressos de cultura digital. Se não me engano, só na última edição da Campus Party aconteceu uma mesa, meio tímida, dedicada ao tema.
Acho interessante um post do escritor Michel Laub que aborda, ainda que de forma breve, a interação entre a literatura e a internet - Três (possíveis) motivos para a internet mudar a literatura. Pode ser que algumas direções estejam apontadas ali.
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Maior / Menor
A bronca do Álcir Pécora também tem razão de ser. Todo mundo (leitores, escritores, editores, críticos e livreiros) está esperando por um escritor que seja o novo Guimarães Rosa ou a nova Clarice Lispector. Alguém que ponha a literatura em risco e mostre o inesperado. É saudável para a nossa literatura que esse nível de exigência exista e tenha o seu lugar garantido. É isso que permite elevar a qualidade da nossa produção literária. No entanto, não podemos desprezar o lugar da experimentação, nem negar a possibilidade de erro de um escritor em formação, nem impedir que os defeitos da nossa literatura apareçam.
Reconhecemos o lugar periférico da literatura brasileira no mundo. Portanto, exigir dos nossos escritores que sejam excelentes e que apresentem soluções originais o tempo todo, acaba gerando uma espécie de esterilização da criação - ao menos essa é a impressão que isso me causa. Parece que a crítica quer matar aquilo que precisa existir a fim de proporcionar o aparecimento do novo Guimarães Rosa ou da nova Clarice Lispector. O que leva tempo.
No entanto, o fato de garantir a existência de uma literatura "menor" (mediana ou ruim) não quer dizer que o novo, o instigante e o arriscado vá surgir dali. Dizendo de outra maneira, a existência de literaturas "menores" garante saúde ao mercado editorial e pode servir de trampolim para o aparecimento de algo "maior".
A ideia não é minha, achei num texto bem interessante do escritor Antonio Xerxenesky - Pelo luxo de uma literatura do tipo “menor”. Além de muito argumentos certeiros, há um comentário de Roberto Bolaño que ilumina a nossa falta de espaço para a literatura "mediana":
“Escritores que cultivaram o gênero fantástico, no sentido mais restrito do termo, temos muito pouco, para não dizer nenhum, entre outras coisas porque o subdesenvolvimento não permite a literatura de gênero. O subdesenvolvimento só permite a obra maior. A obra menor é, na paisagem monótona ou apocalíptica, um luxo inalcançável. Claro, isso não significa que nossa literatura esteja repleta de obras maiores, muito pelo contrário, mas sim que o impulso inicial só permite essas expectativas, que logo a mesma realidade que as propiciou se encarrega de frustrar de diferentes modos.”Embora a fala de Bolaño seja dirigida a literatura de gênero, ela pode também ser estendida para a literatura (me refiro, especificamente, a prosa de ficção) como um todo.
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O assunto é longo e enfadonho. Vou encerrar por aqui, mas continuo amanhã. Pretendo falar sobre cegueira voluntária em relação ao passado, crítica e irrelevância da ficção.
*imagem: reprodução.
coitados dos escritores! o que se espera, o que se cobra deles, afinal?
ResponderExcluirquanto à crescente irrelevância da crítica - isso mesmo, irrelevância da CRÍTICA -, e por conseguinte sua crise de identidade (da crítica, não da produção literária), há uma declaração de um crítico de arte - talvez algum dia caia a ficha também do crítico literário:
"Alguém poderia pensar que esses dois tipos de escritores [i.é, os jornalistas e os críticos] são capazes de criar ou destruir a carreira de um artista. Criar, nunca; destruir, muito raramente. Jerry Saltz, crítico de arte veterano de The Village Voice de Nova York, indicado três vezes para o Prêmio Pulitzer de crítica, formula bem a questão: 'Nos últimos cinquenta anos, o que um crítico de arte escreve nunca teve menos efeito no mercado do que agora. Posso escrever que a obra é ruim, e o efeito é praticamente nulo, e posso escrever que é boa e o resultado é igual. Mesma coisa se não escrevo nada.' "
(don thompson, o tubarão dos doze milhões de dólares)
Denise, algum dia a crítica teve uma voz "respeitada". Será que essa crítica atual, sem força, irrelevante e diluída também não pode se renovar? Não digo que ela vai voltar a ter a força que teve algum dia, mas pelo menos pode se reinventar e encontrar um lugar nessa maré de vozes.
ResponderExcluirConcordo com suas observações.
ResponderExcluirPrecisamos de uma literatura mediana, sim. Precisamos construir uma massa de leitores capaz de impulsionar nossa literatura para outro patamar. De que adianta escrever livros que ninguém lê; vender 500 ou 1.000 exemplares (com sorte, isto, é claro, já incluída toda a família do probre autor).
O escritor brasileiro deve ter o prazer de escrever para si e para o seu público, e daí ganhar o seu reconhecimento. Chega de escrever para os críticos acadêmicos e ser recompensado - e essa será a sua única recompensa, com duas colunas na quinta página do jornal de sábado.
Sempre vejo com bons olhos qualquer discussão sobre literatura. Há 10 ou 20 anos, todo esse debate seria inimaginável.
Que venham as discussões, as trocas de farpas, a crítica, a contra-crítica, e falemos de livros. E que todos falem.
Abraços e parabéns pelo blog
Bruno Paranhos - Brasília (DF)
rafael, mas aí o problema é deles, não dos escritores. que há um esgotamento da crítica, há, mas que então joguem o ônus de sua esterilidade sobre a literatura, aí não dá...
ResponderExcluirtempos atrás, vi uma cena muito engraçada: era uma amiga minha e sua filhinha de dois ou três anos de idade. a guria, por qualquer razão, tropeçou, bateu a cabeça na parede e começou a chorar. a mãe então deu dois ou três tapas na parede, dizendo "parede ruim, parede ruim, fez dodoi na mimi".
Bruno, valeu pelos comentários!
ResponderExcluirEngraçado como hoje em dia todos pensam da mesma forma... Esse papo de que temos de “construir um público leitor” é conversa fiada e desculpa para venderem e publicarem besteira. Nunca uma pessoa começa lendo Sidney Sheldon e depois fala: “Bem, agora lerei Tolstoi!” (Assim como ninguém que ouve pornôfunk chega a Brahms). As pessoas leem besteira, pois só ela lhes é apresentada. Se editora fosse um ambiente em que o valor literário fosse primordial, as pessoas iriam às livrarias e encontrariam coisas boas. Quem é dono e trabalha em editora hoje em dia em sua maioria esmagadora não tem a menor ideia do que seja literatura. Hoje em dia só se publicam duas coisas: modernice vanguardeira ou lixo pop. Literatura mesmo já era. Não existe crítica porque para ser crítico primeiro a pessoa tem de ter cultura (aí a coisa já se complica...) e segundo que as universidades só sabem remoer o blá blá blá modernoso. Conheço vários mestres e doutores em literatura que nunca leram uma tragédia grega, não sabem nada do desenvolvimento da poesia ao logo dos tempos e países, etc etc, mas copiaram umas citações e ganharam um diploma!
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