sexta-feira, 10 de setembro de 2010

LÍVIA SGANZERLA JAPPE


Qual foi o primeiro livro que você leu e que teve impacto sobre você?
Há um livro que me acompanha há muito tempo e que sempre me mobiliza de um modo especial: "Um Copo de Cólera". A escrita de Raduan Nassar é primorosa e nada tem a ver com modismos. É sublime o modo como ele faz as palavras se abrirem, depurando o sentido genuíno de cada uma delas. A relação que se estabelece entre um leitor e um livro é muito pessoal e sempre inesperada, de modo que muitos livros dialogaram comigo em instâncias profundas. Cresci lendo os clássicos, gosto muito dos russos e dos japoneses, mas o que verdadeiramente me interessa é Literatura genuína, portentosa, que não se mede pela construção inofensiva.

Alguma vez você considerou a hipótese de não ser escritora?
Muito mais importante do que escrever é ler. Sou uma leitora apaixonada desde a infância e este amor pelas palavras e pelas histórias vem comigo desde sempre. Escrevinho desde criança, mas nunca tive a pretensão de monitorar o que poderia vir a ser a condição de escritora porque minha relação com as palavras é de boniteza. Implica amor. Eu apenas me curvo à necessidade visceral de estar entre as palavras porque me movo na essência do imaginário.

Na sua opinião, todas as histórias já foram escritas ou ainda é possível criar novas histórias? Há novas formas de contar histórias?
Acho uma enorme pretensão de minha parte afirmar que todas as histórias já foram escritas. Demócrito dizia que há uma infinidade de mundos, entre os quais alguns são não apenas parecidos, mas perfeitamente iguais. O mesmo vale para as histórias: o imaginário é um espaço mágico, riquíssimo, e a mesma história é infinita, variável de acordo com a imaginação de quem a tece. Hoje, como em qualquer tempo, há Literatura de boa e de má qualidade. Me parece que, atualmente, estabeleceu-se um certo modo de se "escrever à moderna", com o predomínio de uma técnica que não admite conciliação entre a artesania da linguagem e um senso crítico aguçado. Uma boa história, para mim, aproxima-se do gênio simples e perturbador, do ponto de vista da reflexão, de Tolstoi. Admiro muitíssimo os paradoxos nas histórias tolstoianas, nas quais os conflitos são expostos, mas não nos são dadas soluções perfeitas para resolvê-los. Gosto do que não se quer pretender perfeito. O importante é que haja inteireza.

No que você está trabalhando agora?
Creio que literatura não se faz no tempo do relógio, mas no tempo das costuras. Tenho uma relação respeitosa com as palavras, de modo que, quando se quiserem dizer, virão à tona, e eu lhes darei passagem. Nós, os "modernos", não temos mais a confiança na elaboração das coisas silenciosas, na presença muda das coisas, mas eu creio nelas, eu creio no aprendizado e no amadurecimento, e minha artesania é toda ela à moda antiga.
Por ora, vou publicar, na companhia do impecável gênio de Odilon Moraes, ilustrador paulista, um conto na revista "BRAVO!", e, em alguns dias, parto para o Reino Unido, onde farei Mestrado em Política Internacional. Creio que um período entre os livros, para estudar, e observar as coisas do mundo, enriquecerá a alma e minha relação com as palavras. Há muito para eu aprender, é longa a jornada em busca das coisas simples. São as coisas simples que nos levam às coisas mágicas.

Quem são os seus escritores favoritos com mais de quarenta anos?
Tolstoi é absoluto em sua capacidade de colocar minha alma em estado de perturbação. Aprendo, também, intimamente lições preciosas com Marguerite Duras e Gaston Bachelard, e saio encharcada da difícil missão humana de conviver com as luzes e as sombras da psique. Raduan Nassar, Lygia Fagundes Telles, Milton Hatoum, Fernando Pessoa e Clarice Lispector me acompanham há anos, e, com eles, cada vez mais, entendo que o tempo das palavras é irmão do naufrágio da instrospecção. Nenhuma mágica se mostra tão poderosa quanto um bom livro.

*ilustração: Nathália Lippo.
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Um comentário:

  1. Essa moça é algo único. ainda ouviremos falar muito dela. Que tenha sorte em Edimburgo!

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