Ao contrário do que muita gente pode imaginar a literatura
nunca foi restrita ao mundo da academia e seus iniciados. Quantos filmes,
programas de TV, jogos de tabuleiro, videogames e bandas de rock and roll já
não foram influenciados pelas histórias impressas nas páginas de um livro? Não
deixo de fora os experimentos linguísticos que também tem seu espaço reservado
na cultura pop, vide o caso de Thomas Pynchon, Jack Kerouac, José Agrippino de Paula,
J.G. Ballard, Raymond Queneau, Anthony Burgess etc. Portanto, não causa nenhum
espanto a notícia dos romances chegando ao universo da dance music. Além de
dançar ou fazer dançar, os djs também estudam literatura (e falam nisso o tempo
todo).
Estou tomando como exemplo dessa tendência o músico e
produtor Nicolas Jaar que esteve em São Paulo na semana passada como convidado
da festa de 13 anos do clube D_Edge. Suas composições quase minimalistas passeiam
livremente entre a house music, o tecno, o hip hop, o jazz e as canções pop e
resultam numa mistura muito original de gêneros musicais. Dizem que Cat Power,
cantora indie, e Scout LaRue, filha dos casal Bruce Willis e Demi Morre,
ficaram encantadas pela música do rapaz. Ele tem fama de arrastar uma multidão
de fãs do sexo feminino por onde passa.
Fora das pistas, Nicolas estuda Literatura Comparada na
Universidade de Brown e sua tese de conclusão de curso será um tanto
'pretensiosa': vai tecer relações entre o romance Absalão, Absalão!, de William
Faulkner, textos de Sigmund Freud, Jacques Derrida e Hayden White. Numa das
tantas entrevistas, ele disse que o romance de Faulkner lembrava as composições
musicais de Ricardo Villalobos (produtor e dj de tecno) pela maneira como a
forma interfere no conteúdo - existem repetições, recorrência de temas,
mudanças bruscas de tempo e sua experiência de expansão ao infinito,
alternância de foco narrativo etc. Ou seja, a forma se dobra sobre o conteúdo e
importa mais a maneira como se conta do que aquilo que se conta propriamente (estou
simplificando as coisas porque o romance de Faulkner é incapaz de ser reduzido
a meros detalhes, pois nele cabem muitos observações e interpretações; é
importante dizer que para além da forma, o livro também conta uma história que
tem recorrência com histórias que estão na bíblia).
Para dar conta de escrever a tese, Nicolas carrega livros na
mala e só faz viagens internacionais quando está com tempo livre na
Universidade. Ele considera que seu trabalho com música ficará cada vez melhor
se continuar estudando. Tomara que ele não largue a literatura nunca mais!
***
Aos interessados em Absalão, Absalão! vale um aviso. O
romance está fora de catálogo e disponível apenas em sebos. A última edição
saiu pela Nova Fronteira, em 1981 com tradução de Sônia Régis. Virou um artigo
raro e pode custar mais de R$ 200,00 dependendo do lugar em que você vai
comprar.
Em 2010, a Cosac Naify anunciou que estava trabalhando numa
nova edição com tradução de Celso Mauro Paciornik. Ainda não saiu e não pintou
nas especulações sobre lançamentos de 2013. Vamos acompanhar.
Um trechinho dessa tradução saiu na revista Cult.
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Enquanto isso, a editora Benvirá está relançando os romances não tão
conhecidos do autor. Algo comparado ao Lado B, de Faulkner - estou dizendo sem
o menor juízo de valor. Já saíram O intruso (com tradução de Leonardo Fróes),
Lance mortal, Os invictos e a Triologia Snopes - A mansão, O povoado e A cidade
(todos com tradução de Wladir Dupont).