Em termos de popularidade entre os leitores brasileiros não tem para ninguém, o grande escritor português contemporâneo é Valter Hugo Mãe. Nem me atrevo a dizer o contrário. Quem esteve presente na FLIP do ano passado sabe muito bem do que estou falando. Não é para menos, além das qualidades literárias, Hugo Mãe esbanjou simpatia e conhecimentos sobre o Brasil - conquistou o coração de muitas meninas e até cantou numa festa. Um pouco antes do fenômeno chegar ao Brasil, José Saramago tentou nos avisar dizendo que Hugo Mãe era um verdadeiro "tsunami literário". Não deu outra, a comoção foi geral na crítica literária e na platéia da FLIP também.
Apesar de ter vindo duas vezes ao Brasil (na FLIP, em 2005, e na FLIPorto, em 2009) e ter publicado três romances por aqui (Hugo Mãe vai a oralidade do "português medieval" para contar a história da família dos sargas e da desastrosa aventura amorosa de baltazar serapião num tempo em que as mulheres tinham de serem submetidas aos desígnios dos homens. Ao longo do percurso elementos de realismo mágico (ou a figura das bruxas medievais) são evocados para dar um brilho especial ao enredo.
Aqui cabe uma outra explicação importante: olhando de maneira ampla, o remorso de baltazar serapião faz parte de uma tetralogia imaginada pelo autor para representar um ciclo de tempo completo da vida humana. Projeto radicalmente inventivo, por si só. Assim, o nosso reino é a história de uma criança de 8 anos, o remorso de baltazar serapião é um romance sobre o começo da vida adulta, o apocalipse dos trabalhadores fala de mulheres trabalhadoras aos 40 anos e a máquina de fazer espanhóis trata da terceira idade (um barbeiro de 84 anos).
Peixoto recorre a oralidade do português da Vila Galveias, onde nasceu e viveu até os dezoito anos. Dizem que sua ideia era registrar aquela maneira antiga de falar para que não sumisse do mapa. Pela dificuldade que os leitores (mesmo portugueses) teriam, o projeto foi parcialmente abandonado. Livro é ao mesmo tempo a história da migração de portugueses para França em busca de melhores condições de vida, quanto uma história metalinguística do romance contemporâneo. Ao realismo mágico de Hugo Mãe, Peixoto contrapõe o que batizou de realismo mitológico - as personagens do romance estão próximas dos semideuses da mitologia grega.
A experimentação radical de Peixoto está concentrada na segunda parte de Livro. Me lembrou nouveau roman, OuLiPo, jogos de linguagem etc. Não fica apenas nisso. Tudo o que acontece na segunda parte está intimamente relacionado a primeira parte, mais recheada no enredo, na trama, na fábula, como preferirem. Graças ao recorte inovador a história das personagens da pequena vila portuguesa fica mais enriquecida. O que ele fez não é coisa que qualquer um consiga fazer. Pelo que li, em Portugal o trabalho foi classificado como o mais maduro de José Luis Peixoto. Livro é um grande livro (com o perdão do trocadilho meio clichê).
Tomara que um pouco da popularidade de Hugo Mãe possa migrar para Peixoto - um grande escritor a ser descoberto, como tantos. Semelhanças os dois tem de sobra. Alguém arrisca um trabalho de literatura comparada?
*Imagem: reprodução Google.
É o contrário. Peixoto é 3 anos mais novo do que Valer Hugo.
ResponderExcluirE, sim, é um escritor imenso. Livro é absolutamente fascinante.
Estará na FLIP e eu estarei lá com ele. :)))))
Eu sou apaixonada pelo Peixoto. Ainda conheço pouco do Hugo Mãe (só li o nosso reino) e gostei menos dele do que daquilo que li até agora do mais jovem dos meus ídolos portugueses. Outro que me encantou (até me sinto um pouca canalha por hoje preferir José Luis Peixoto) foi Gonçalo M. Tavares. Acho algumas obras deste mais maduras e mais interessantes, mas o universo fantástico tem me atraído mais...
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