segunda-feira, 24 de outubro de 2011

UMA NOITE COM ZADIE SMITH


Na semana passada a escritora inglesa participou de um encontro sobre escrita criativa no Miller Theatre, em Nova York. Vestindo um turbante vermelho e um casaquinho preto, Zadie Smith foi impecável com seu belo sotaque e afinado senso de humor inglês.

Texto: Rodrigo Bottura, de Nova Iorque.

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Para um Miller Theater lotado de rostos inquietos que carregavam as ansiedades e incertezas de futuros escritores em seus 20 anos de idade, Zadie Smith falou do porquê de se escrever. Após percorrer a visão de vários escritores acerca do ato da escrita - começando com Horácio, passando pelo onipresente Vladimir Nabokov e concluindo com George Orwell - a escritora nos lembrou que escrever não é garantia de autoridade em nossa cultura.

Aliás, de mesmo modo, ela diz que os editores também não são garantia de qualidade. Muitos escritores bons passam a vida inteira sem serem publicados e muitos escritores ruins são publicados diariamente na internet. Zadie culpa a internet pelo fim dos debatidos direitos autorais, o que transformou o ato de escrever ficção em um aterro de energia mal-direcionada. Longe de desencorajar os estudantes, que acharam tempo entre as aulas e provas de meio de semestre para se apertar na audiência com seus caderninhos, ela queria nos lembrar de os que escritores escrevem pela frase, pela atenção a beleza e para, acima de tudo, demonstrar que o são.

Essa necessidade de provar que escritores ainda existem explicaria as feiras literárias. Hoje em dia, diz ela, “temos que percorrer o globo para provarmos nossa existência”. Ainda que pareça sem sentido e absurdo ser escritor em nossa época, ela os convidou a escrever para terminar a página, para usar, manipular e se dispersar na linguagem, para exercer uma das poucas capacidades que não estão ligadas ao poder monetário. Para quem achou que aqui caberia uma palavra sobre os protestos de Wall Street, vale lembrar que ela não acredita que ninguém hoje em dia escreva ficção para acabar com o capitalismo monolítico. Não, escritores escrevem para ver como as coisas são realmente, já que a realidade reproduz as distorções de seu tempo.

Quando perguntada se escrevia em grupo, ela respondeu que quando começou a escrever, a escrita era algo que se fazia as escondidas e que apesar de ter estudado língua e literatura inglesa na Inglaterra, ela lia muito nas aulas, mas escrevia muito pouco. Apesar disso, disse ainda ser a favor dos cursos de escrita, da qual é professora na NYU, porque eles a permitem ter uma vida acadêmica sem nunca ter tido um PHD. O que faz sentido se aceitarmos a sua metáfora de que escritores hoje em dia se aproximam mais de artesões do que de artistas, construindo suas cadeiras sem saber se servirão para alguém sentar ou para fazer fogueira. Acima de tudo, o que Zadie Smith lembrou aquele grupo de jovens impacientes da Ivy League, é de que é preciso ir com calma, olhar para o micro, de que ler um romance em duas semanas não é ler um romance e de que para se ler nas entrelinhas, é preciso primeiro ler-se as linhas.

*Imagem: reprodução.

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Um comentário:

  1. Sou favorável a esses cursos, sim! Até acho que gênios são gênios e ponto! Mas não precisa ser gênio para escrever bem. O trabalho de praticar, que é feito com bastante intensidade nesses cursos de escrita criativa (ou seja lá qual nome venham a ter), contribui para aprimorar a técnica, como ocorre com os pintores, com os fotógrafos e com os músicos, só para dar três exemplos. Mas há que se preocupar, também, com a qualidade do que se escreve...

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