Raymond Carver era um mestre na arte de fazer contos. Ele não só foi um dos maiores autores do gênero como chegou a dar aulas nas universidades americanas sobre isso. Entre tantas coisas ele dizia que as leituras de Ernest Hemingway e Anton Tchekhov foram decisivas para a sua formação como escritor. Se você pretende algum dia se tornar escritor, terá de ler obrigatoriamente Raymond Carver.
Nos contos de Carver a vida cotidiana do americano de classe média rendia farto material. Parece que suas personagens são sempre bêbados ou pessoas cujos relacionamentos foram frustrados. Todos eles são vítimas de uma classe consumista em busca de comida, algum conforto e uma televisão para assistirem. Porém, o que mais impressiona, é o fato de encontrarmos beleza em momentos tão simples, mesmo diante de situações sufocantes. Quando a realidade está asfixiando as suas personagens, algo acontece e por alguns instantes tudo pode mudar. Depois nada mais importa, a vida volta ao normal e segue adiante.
De Tchekhov, autor que influenciou muitas gerações de escritores, Carver incorporou tantas características que lhe renderam o apelido de Tchekhov americano. Os contos de Carver muitas vezes tem uma estrutura lacônica que não nos revelam muito sobre o aparecimento de uma determinada personagem. O narrador também não perde tempo explicando algum fato anterior ao que estamos lendo. Os enredos também são "abertos", ou seja, não vemos uma série de acontecimentos que desencadeiam um final surpreendente. Importa mais o que acontece no meio conto. Como em Tchekhov o realismo é fundamental - a realidade deve aparecer exatamente como ela é. Por isso as histórias de Carver tratam de um cotidiano aparentemente banal, mas repleto de melancolia e humor.
De Hemingway, que também sofreu influências de Tchekhov, Carver herdou a prosa que aparenta ser simples, mas é altamente sofisticada. O vocabulário é preciso, sem nenhum floreio; as frases são curtas; a sintaxe é modificada; a pontuação é suprimida em muitos momentos; e as sentenças que se associam umas as outras para criar uma sensação de totalidade daquilo que está sendo narrado. Além disso, Carver fazia uso de um procedimento narrativo que surgiu com Tchekhov, mas que foi levada a cabo por Hemingway: a omissão intencional de certas explicações do enredo chamada de "teoria do iceberg" - o mais importante não pode ser revelado pelo autor; e como num iceberg o que fica submerso (subentendido) ganha enorme força simbólica.
Além da influência dos dois escritores renomados, o gesto de cortar e reduzir os contos ao seu essencial foi fruto do aprendizado dele com John Gardner e Gordon Lish. A redução era tanta que logo Carver recebeu o rótulo de escritor minimalista - título que ele não gostava muito. Seu estilo está muito mais próximo do que os críticos chamaram de realismo sujo.
Infelizmente a obra de Carver é pouco divulgada no Brasil. Temos apenas uma edição de Fique quieta, por favor da editora Rocco que está esgotada e uma edição de Iniciantes publicada recentemente pela editora Companhia das Letras.
*imagem: reprodução do Google.
Dos três contistas comentados, ainda fico com o Tchecov. Por um único motivo: o humor. Carver cria uma atmosfera nauseabunda e asfixiante. Ele mostra como é horrível ser americano. Hemmingway tem um estilo conciso e viril. Nao gosto de cheiro de animal morto que exala dos seus textos e da sua vida.
ResponderExcluirDepois que li o artigo sai em busca do livro mencionado no final do texto, mas para minha felicidade e dos demais leitores acabei encontrando outras obras no site da Livraria Cultura. Fica a dica!
ResponderExcluirPaulo,
ResponderExcluirTchekhov é indiscutível. Hemingway realmente tem um texto bastante sóbrio, mas recusou a América por muito tempo - não que isso seja um defeito ou qualidade.
Não sei se Carver está contra o modo de vida dos americanos. Acredito que ele escreveu de uma perspectiva muito particular sobre o tempo em que viveu. Veja que seus contos tocam em temas universais: o amor, a separação, as dificuldades da vida, etc. E nos anos 70, como sabemos, tudo isso estava sendo destruído.
Realmente, Guajava, existe outros livros de Carver - a obra dele não é muito extensa. Porém, em português, temos apenas essas duas que citei no post... por enquanto.
ResponderExcluirRafael:
ResponderExcluirApesar da limpidez e do estilo conciso do Carver, ele sempre me despertou um estranhamento. Você ama os contos, mas não ama os personagens. Nao sei se por serem comuns - ou demasiadamente humanos. Na verdade, li Carver há muito tempo. Mesmo tendo gostado, nao consigo reler nenhum conto. Já reli muitos de Hemmingway, apesar de nao gostar dele como pessoa - sou totalmente contra matança de animais, mesmo que isto seja tomado metaforicamente como um duelo com a própria morte. Mas ele acabou experimentando do próprio veneno...
Já Tchecov é aquele que mostra o patético da vida, mas sob o prisma do humor. Ele tem todas as qualidades que Ítalo Calvino apontava como propostas para este milênio. A leveza é a melhor das características..
Lendo seu comentário fiquei pensando que existe um paralelo entre ler Carver, se embriagar e ficar de ressaca depois. Vai ver foi um ato falho! Mas talvez vc tenha razão em dizer que a gente não se apaixona pelas personagens - não sei, preciso reavaliar.
ResponderExcluirTalvez o Hemingway tenha um texto mais universal e menos preso a um período da história da humanidade e tal.
Mas sabe que sempre acho o Tchekhov bastante denso nos sentimentos. Mas a paixão pelas personagens é quase imediata. E memorável também. Há leveza, mas há o seu contrário também.
Rafael,
ResponderExcluirAs obras de Carver que encontrei na Livraria Cultura são em português.
Ah, tá! Em "português de Portugal". ;)
ResponderExcluirMas acho que vão relançar essas edições em breve por editoras brasileiras.