Para encerrar a "série" de textos sobre coisas que vamos falar bastante em 2012 quero apontar uma miscelânea de assuntos gerais que envolvem a literatura e seus arredores. Alguns assuntos podem parecer um tanto óbvios, mas acho importante mencioná-los mesmo que seja para mero registro. Não estou dizendo que são tendências que vão dominar o mundo, mas que aos poucos estão dando as caras por aqui.
Vanguarda literária do pós-guerra
Não sei dizer precisamente porque razão, mas sinto que uma revisão da vanguarda literária francesa dos anos 60/70 anda a espreita. Me refiro especificamente aos autores da geração conhecida por Nouveau Roman e OuLiPo. Tudo o que eles criaram foi demasiado radical para os leitores e terminou datado. Abolir o narrador, contar uma história sem personagens e num espaço indeterminado, escrever romances carregados de experimentos linguisticos (abusando de anagramas, excluindo letras, usando fórmulas matemáticas para selecionar palavras, reescrever a mesma história de maneiras diferentes etc.) eram algumas ideias que propunham. Nada disso foi gratuito e tinha muito em comum com o espírito das duas décadas. A Guerra Fria, o enorme desenvolvimento científico, as novas teorias linguísticas e literárias, o computador, as transformações no comportamento social, todo o contexto contribui de alguma forma para apontar novos caminhos na "arte de contar histórias".
Acho difícil apontar o momento em que voltamos a falar sobre os dois movimentos franceses. Quem sabe nunca tenhamos tirado eles da mente e uma minoria ainda falasse vivamente sobre o assunto. Um fator determinando que nos faz voltar os olhos para essa geração está concentrado em torno do debate sobre a irrelevância da ficção contemporânea. Será que ainda faz sentido contarmos histórias da mesma maneira que os autores dos séculos XIX e XX contavam? Há novas formas de narrar?
A chegada dos e-readers e dos tablets também resgatou a hiperficção que andava esquecida. A última vez que falamos com entusiasmo a respeito do assunto foi nos anos 90 com o boom da internet e da ficção produzida nos blogs e websites. Curiosamente, a hiperficção teve como marco inicial o livro Cent Mille Milliards de Poèmes, de Raymond Queneau (membro da OuLiPo). Evidentemente obras anteriores já continham as sementes dessa ideia de interatividade com o leitor. Pense, por exemplo, em A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, de Laurence Sterne.
Desde 2008, se não estou enganado, as obras de Georges Perec estão ganhando reedição na França, na Espanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Por aqui dois títulos do autor ganharam tradução inédita: A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento - livro póstumo de Perec - e As coisas, ambos tiveram lançamento pela Companhia das Letras. Notem que em 2009 a revista The Review of Contemporary Fiction dedicou um número inteiro ao escritor; e no final de 2010 a Fundación Luis Seoane, na Espanha, abrigou uma exposição com manuscritos, fotografias e desenhos feitos pelo próprio Perec ao lado de trabalhos de artistas plásticos inspirados no universo literário do autor.
Da "nova" geração, o inglês Tom McCarthy, o argentino César Aira e o português José Luís Peixoto parecem reavivar a memória desses franceses.
Literatura japonesa
Parece que o interesse em torno da literatura japonesa contemporânea deve aumentar nesse ano. A "tendência" será puxada pelo tsunami literário que atende pelo nome de Haruki Murakami e vai atingir o Brasil no segundo semestre. Do ano passado até agora, autores japoneses consagrados ganharam edição/reedição nacional: Kenzaburo Oe, Yasunari Kawabata, Natsume Soseki, Ryūnosuke Akutagawa, Yoko Ogawa etc. Não deve demorar muito para que novos ou desconhecidos escritores também mereçam atenção: Banana Yoshimoto (cujo romance Kitchen merecia uma reedição), Ryu Murakami (que teve apenas dois livros lançados por aqui, se não estou enganado), Natsuo Kirino (seus dois romances saíram pela Rocco), Teru Miyamoto, Mitsuyo Kakuta, Amy Yamada, Kenzo Kitakata etc.
Crítica
O debate sobre o papel da crítica literária no século XXI, na era da internet, deve continuar dominando grande parte dos simpósios, colóquios e encontros acadêmicos - estendo a questão para os cadernos culturais, revistas e blogs (por que não?). Felizmente ou infelizmente, ainda não chegamos a uma conclusão do assunto por mais que todo mundo esteja cansado de ouvir falar a respeito. Resta apenas a esperança de que o debate possa avançar deixando de andar em círculos tentando morder o próprio rabo.
Feiras de livros e eventos literários
Desde a primeira edição da FLIP (em 2004) o número de feiras e eventos literários dobrou no Brasil. O negócio cresceu tanto a ponto de tornar a tradicional Bienal do Livro um pouco sem sentido. Parece que atualmente são realizados 75 eventos desse tipo por ano no país. Daqui para frente o negócio não deve parar de crescer, pois no ano passado o Ministério da Cultura lançou um edital de incentivo aos eventos dessa categoria. Abra espaço na sua agenda.
Livros eletrônicos e tablets
Pois é, taí um outro assunto que já deixou muita gente com preguiça. Seja como for, a chegada do Google Books e da Amazon ao Brasil vão colocar mais lenha nessa fogueira. em breve num jornal ou website bem perto de você.
*imagem: ilustração reproduzida do Google.
sábado, 21 de janeiro de 2012
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Perec <3
ResponderExcluirDescobri dia desses que um tal livro chamado W já tinha sido traduzido por português em 1995 e publicado pela Companhia das Letras. Bem que eles podiam aproveitar o ensejo do As coisas e reeditar esse livro, né?
Um homem que dorme, que li num exemplar de biblioteca, também seria uma ótima pedida para fazer parte da minha estante.
Vi que você, já há algum tempo, está lendo A vida: modo de usar. Tá perto de terminar? Livrão esse, né?
Abraço!
Tuca, como falei, acho que Perec e sua turma estão sendo revistos. Pode ser que pinte edições e reedições. Vamos cruzar os dedos para sair W e Um homem que dorme - também queria Espèces d espaces etc.
ResponderExcluirTo na reta final de "A vida..." é um baita livrão. Estou fascinado, de verdade. Uma pena que as pessoas tenham medo do Perec.
Recomendo ver um ensaio que está no fanzine #3 sobre o PEREC - bem legal.
"A vida..." foi o primeiro dele que li, antes mesmo de entrar na faculdade. Encontrei num sebo por 15 reais, a primeira edição.
ResponderExcluirQue livro...
(Não sei você já leu os contos de "Um artista da fome", de Kafka. Se possível, leia-o: você terá uma pequena surpresa.)
Demorei um tempão pra ler outras coisas dele, quase 7 anos. Ano passado li quase tudo que pude: "Um homem que dorme" (não paguei aquele absurdo da Estante Virtual: tem um exemplar na Biblioteca pública daqui), "A coleção particular" [este, uma espécie de miniatura de "A vida..."] e "A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento" [genialmente traduzido pelo Bernardo Carvalho]. Ia pegar emprestado "As coisas" também, mas esperei o lançamento da Cia. Comecei a lê-lo e, sim, pela primeira vez eu senti certo medo do Perec (mas só li as primeiras páginas mesmo). Temo que o estilo do começo perpasse o restante do livro, o que não é difícil que ocorra. Veremos...