quarta-feira, 7 de setembro de 2011

ANDRÉS NEUMAN - O BATUTA

A série Prefácios da Rádio Batuta que iria ao ar semanalmente todos os domingos andou atrasando um pouco as atualizações. Uma pena, pois a ideia é bastante original e o conteúdo de altíssimo nível. Eu nunca tive muita coragem de encarar Os sertões, de Euclides da Cunha, mas confesso que fiquei muito tentado depois de ouvir Alexei Bueno comentando o catatau barroco científico - para usar um termo da academia. Há outros programas tão encantadores quanto.

De qualquer forma, quero chamar atenção para o programa mais recente com a participação do escritor argentino Andrés Neuman. Ele foi um dos primeiros nomes a pintar na lista de autores convidados da FLIP desse ano. Embora tenha publicado quatro romances, livros de contos, poesias e ensaio, Neuman tem apenas um romance publicado em português - O viajante do século (Alfaguara). O jovem escritor carrega consigo uma bagagem invejável: importantes prêmios literários na Espanha, a seleção da revista Granta como um dos melhores escritores de língua espanhola e elogios de ninguém menos que Roberto Bolaño.

No programa, não por acaso, ele fala sobre Os detetives selvagens. Neuman teve uma relação próxima com Roberto Bolaño. Os dois falavam constantemente por telefone, trocavam e-mails, cartas e Neuman chegou a encontrá-lo pessoalmente uma única vez. Tenho a impressão que Neuman quis desmistificar a figura de Bolaño como um escritor pobre, drogado, maldito, doente e condenado a morte. Da pequena convivência, ele lembra que Bolaño era muito divertido, extremamente culto (um leitor autodidata voraz), muito falante (as conversas por telefone poderiam durar três, quatro horas), um homem de extremos que podia ser doce ou rude quando queria. E num momento muito particular, Neuman fala da casa de Bolaño que era totalmente organizada enquanto o escritório de trabalho era como uma cova - ele tinha um 386 sem conexão com a internet. Não quero falar muito para não criar novas auras em torno da bolañomania que dominam o mundo.

Além do aspecto pessoal, Neuman conta a sua maneira de enxergar a obra de Bolaño. Ressalta suas qualidades literárias (superiores a qualquer modismo); fala sobre o rompimento com o nacionalismo (Bolaño é chileno, mas vive na Espanha e escreve um romance que se passa no México - suas personagens sempre buscam algo que não está em nenhum lugar); e diz que na tentativa de superar a literatura de Borges, Bolaño cria uma literatura borgeana com corpo, com sexo.

Neuman veio com Michael Sledge para participar da mesa "Viagens literárias" na FLIP - uma única mesa. O clima foi descontraído e bem humorado, mas confesso que com o programa acabamos ganhando duas mesas.

***

Quero aproveitar para comentar o romance O viajante do século. Li logo depois da FLIP. Fiquei intrigado com os elogios de Bolaño ("Um talento iluminado. A literatura do século XXI pertencerá a Neuman e a alguns poucos de seus irmãos de sangue.") - qualquer comentário sobre Neuman vinha colado a esses elogios.

O romance é grandioso. Neuman lida o tempo todo com zonas de fronteira: Wandernburgo é uma cidade imaginária que fica nos confins perdidos da Alemanha; os prédios e as ruas mudam de lugar todas as noite; é um romance, mas trata de poesia, de política, de filosofia, ensaios e literatura; cronologicamente a história acontece no século XIX, mas tem um olhar do século XX; Hans e o realejeiro são metáforas para viajante (em movimento) e do morador (sempre fixo) - há muitos outros opostos que se misturam.

Gosto muito da maneira como o autor explora o tema do viajante - figura central na cultura contemporânea. Grandes populações constantemente se deslocam em busca de melhores condições de vida. Há estrangeiros espalhados por todas as partes do mundo, sobretudo em paises desenvolvidos. O viajante (como Hans) é alguém que parte em busca de aventuras, em busca de dar sentido para algo que não sabe ao certo qual é. Acho que essa ansiedade de uma vida de aventura ronda a cabeça de muita gente que conheço. Tem também o fato de chegar num lugar em que ninguém sabe nada sobre o seu passado e você tem a chance de recomeçar sua história do zero.

Enfim, são apenas algumas observações. O romance tem muito mais coisas e abre várias possibilidades de leitura. Quem ficou curioso pode assistir o vídeo de Neuman no programa Entrelinhas.

*Imagem: flip.org
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