terça-feira, 29 de março de 2011

A RESENHA ESTÁ MORTA MAS JURO QUE NÃO FUI EU


Falar sobre uma crise das resenhas me parece algo complicado. Não cheguei a uma conclusão final, mas penso bastante no assunto. A verdade é que ultimamente sinto um certo mal estar quando vou ler resenhas escritas por outras pessoas ou mesmo quando vou escrever as minhas - muito embora eu mais leia resenhas do que as escreva propriamente. Pensando nisso, vou apresentar alguns argumentos para promover reflexões sobre o tema. Espero não me perder no meio do redemoinho e espero não acabar refém do próprio assunto que estou comentando.

Não sou eu quem está alardeando a crise da resenha. Tenho a impressão de que o assunto surgiu em forma de burburinho na imprensa americana assim que as resenhas foram sumindo das páginas dos jornais e revistas. Foi o passo decisivo para que surgisse na internet uma onda enorme de blogs dedicados ao assunto. Um processo bem parecido aconteceu com as resenhas de discos e de filmes, em partes.

O problema foi que a resenha migrou do mundo impresso para o mundo virtual com prejuízos. O comentário analítico deu lugar a paráfrase do enredo, da história, da trama e os resenhistas esqueceram de falar sobre aquilo que sustenta tudo isso. Eles deixaram de lado a beleza particular da construção de uma obra de ficção. Quase não existem analises teóricas, não se fala em narrador, personagem, tempo, espaço e linguagem.

No final, ninguém sabe os pontos fortes e fracos do livro: o que é instigante nele? Como funciona aquele universo? O que foi que aquele autor fez com o material de que dispunha nas mãos? O comentário crítico fica resumido ao "gostei" e "não gostei". Tudo é bem leve.

As resenhas mais encorpadas, por outro lado pecam por dois problemas: ora ficam presas a um formato quadrado e pouco inventivo; ora abusam dos jargões acadêmicos e demonstram abertamente sua estrutura teórica demais. A vontade de comprovar uma teoria é tão grande que o prazer do texto morre. Aquele universo permanece inacessível ao leitor. Tudo é bem pesado.

A saturação também aconteceu pela enorme quantidade de lugares que oferecem a mesma coisa. Todo mundo vê tanta resenha na internet que acaba se cansando de tamanha superficialidade. A maioria sempre diz a mesma coisa, mas em palavras diferentes. O pior de tudo é que esses comentários podem causar danos aos livros.

No entanto, no horizonte do improvável surgem algumas saídas. A escritora Zadie Smith, por exemplo, parece apontar um caminho interessante. Ela assumiu o lugar de Benjamin Moser na coluna de resenhas da revista Harper's. Numa conversa com Gemma Sieff (editora da revista), Zadie Smith aos poucos redesenha as fronteiras das resenhas - sem nenhum sofrimento ou sem recorrer aos aparatos teóricos. Recomendo a leitura – o papo entre as duas é uma lição.

Antes de mais nada, Smith prefere ser chamada de resenhista no lugar de crítica. Ela diz que prefere escrever sobre os livros recorrendo as suas próprias percepções pessoais, evocando a figura de Virgínia Woolf que tinha essa abordagem em seus textos. Na coluna, Smith pretende ler e comentar as coisas que lhe causam um interesse particular uma certa estranheza. Na primeira New Books, publicada esse mês, Smith falou sobre Thomas Bernhard, Javier Marías e Sharifa Rhoden-Pitts.

Posto de outra forma, um resenhista pode colocar mais de si mesmo numa resenha usando suas próprias percepções ao invés de percepções críticas. Ele pode falar o quanto quiser de um livro, usando seus vários argumentos. Já o crítico é uma personalidade comprometida com seu modelo e seu distanciamento teórico. Ele precisa usar um espaço limitado para explicar e comprovar tudo aquilo que deseja.

Outro sujeito que está tentando salvar a resenha de seu estado capenga é Ron Charles, editor do Washington Post. O cara decidiu fazer algumas de suas resenhas em forma de vídeo. O resultado pode parecer um pouco com programa de auditório, mas tem a sua carga crítica.

Há também as resenhas assinadas por James Wood, editor da revista New Yorker e autor do livro Como funciona a ficção. O método dele está mais próximo do que Zadie Smith pretende fazer. Ainda que ela pratique com maior liberdade, me parece.

Como disse, o assunto não está concluído. Acho importante dizer que não estou tentando pichar a academia e todos os esforços que vem de lá – eu também sou fruto dela. Deve haver outras razões que expliquem o estado atual da resenha: entre a vida e a morte. Outras pessoas também devem estar propondo novos modelos e tentando fazer a sua parte. Quando se trata de previsões para o futuro na área da crítica, as coisas parecem um pouco nebulosas.

*imagem: reprodução.
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