Parece que a polêmica do dia é a história da escritora Patrícia Secco que resolveu"adaptar" O alienista, de Machado de Assis e A pata da gazela, de José de Alencar para uma linguagem mais "jovem" e contemporânea. Os originais ganharam frases em ordem direta, algumas palavras foram substituídas por sinônimos mais comuns e outras foram suprimidas. A intenção era "descomplicar" a vida dos novos e jovens leitores para que eles finalmente se aproximem de livros que são cercados de um certo preconceito. Quem nunca ouviu aquela frase duvidosa: "o garoto não gosta de ler porque aos treze anos meteram-lhe Machado de Assis nas fuças; ficou traumatizado".
O lançamento dos livros físicos com distribuição gratuita será em junho, mas a versão digital está disponível para download.
Eu entendo a indignação das pessoas que foram contra a versão proposta pela escritora, afinal literatura não é apenas uma questão de 'contar uma história'. O trabalho com a linguagem é fundamental para criar um estilo, explorar a língua pátria e registrar o momento histórico de uma sociedade - pois é, a língua carrega essas marcas. Por isso, todas as escolhas de um escritor por determinadas palavras ao invés de outras, sua predileção por certas figuras de linguagem, alterações sintáticas etc., não podem ser ignoradas. Tudo o que está ali tem alguma razão de ser. Nós prejudicamos uma obra quando mudamos uma minima vírgula que seja. Ainda mais quando a obra pertence a Machado de Assis ou José de Alencar - duas figuras que levaram a nossa cultura e a nossa língua a um ponto alto na história da literatura ocidental.
Seja como for, faz tempo que essas adaptações acontecem. Me lembrei de uma coleção da Editora Scipione chamada "Série Reencontro" que também pega clássicos da literatura universal e cria versões mais 'palatáveis' para leitores mais jovens. Se não estou enganado, a coleção ainda existe. Tem peças de William Shakespeare; Odisséia, de Homero; Moby Dick, de Herman Melville; Machados de Assis; José de Alencar e outras coisas mais. Evidentemente, as versões dessa coleção são mais cuidadosas porque contam com assinatura de pessoas renomadas nas versões, supervisão de texto, notas explicativas, roteiros de leitura, questões para debate e o tempo todo fica claro que são uma adaptação distante do original. Mais recentemente, existe esse fenômeno de adaptar clássicos para versão em quadrinhos, graphic novel e tudo o mais - por que não?
Talvez o risco da versão proposta por Patrícia Secco seja o flerte muito próximo com a obra original, sem deixar muito claro para o leitor que aquilo que ele tem nas mãos é uma adaptação. Tem uma linha bem pequena na página de créditos que diz "Texto facilitado para incentivo à leitura", mas quem lê essa página? Ao fim, o livro tem uma ficha que dá dicas de como se tornar um bom leitor. Falta contextualização, algo que possa despertar o interesse do leitor para buscar o original.
Antes que alguém diga que esse tipo de coisa só acontece no Brasil, saiba que também acontece nos Estados Unidos. Deve acontecer na Europa também.
Sinceramente, acho o gesto válido e não vejo problemas desde que o leitor saiba que ele não está lendo a obra original. Também é preciso tomar um cuidado para não causar desvios linguísticos graves e criar um negócio mal feito - tai um negócio que causa no leitor uma má impressão difícil de apagar. Há que se ter um domínio grande da língua para manter um estilo firme e não criar um Frankenstein. Adaptar não é uma tarefa tão fácil quanto parece. No caso de escolas adotarem a versão, a professora deve alertar o aluno sobre a adaptação e orientar a leitura para que ninguém compre gato por lebre.
Só não sei se isso vai mesmo aproximar jovens de Machado de Assis ou José de Alencar. Acho que existe um certo mito em relação aos dois escritores. Curiosamente, na pesquisa Retratos da leitura no Brasil, de 2011, Machado de Assis é o segundo escritor brasileiro mais admirado - só perde para Monteiro Lobato - e Dom Casmurro é o sexto livro mais marcante na vida dos entrevistados. Pasmem: ao responderem a questão "qual a principal razão para você estar lendo menos do que já leu?" 78% dos entrevistados alegaram falta de interesse e apenas 15% responderam dificuldade, sendo que o item é dividido por quatro categorias (10% tem limitações físicas; 2% lê muito devagar; 2% não tem concentração para ler; 1% tem dificuldades de compreensão ao ler).
Resta a pergunta: será que os jovens leitores tem dificuldade para ler ou, na verdade, estão desinteressados? Uma adaptação sozinha não faz verão.
PS.: uma vez vi o Antônio Abujamra, no programa Provocações, dizendo para um entrevistado "Se você não entendeu Machado de Assis o problema é com você, não é com ele" (to citando de memória - pode haver incorreções). Pois é...
*Imagem: reprodução.
segunda-feira, 5 de maio de 2014
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Estava ouvindo rádio hoje cedo e no 'Liberdade de Expressão' da CBN Xexéu e Viviane Mosé foram categóricos em achar as adaptações um absurdo. Daí que entra o Cony pigarreando e falando sobre essas adaptações que você cita no texto, como a Odisséia, e ainda justifica dizendo que ele próprio já fez muitas dessas concessões ao texto literário dos grandes autores de outro século. O debate dá pano pra manga. Massa o registro.
ResponderExcluirI cannot express how grateful I am for the exceptional Case Study help I received. The team demonstrated unparalleled expertise in crafting a comprehensive and well-researched case study for my business. The attention to detail, timely delivery, and clear communication throughout the process exceeded my expectations. Thanks to their assistance, I not only aced my presentation but also gained valuable insights that have positively impacted my decision-making. I highly recommend their services to anyone in need of top-notch case study support
ResponderExcluir