sexta-feira, 30 de agosto de 2013

OBSERVAÇÕES SOBRE LITERATURA E VIDEOGAME



Um dos motivos que me fizeram ficar longe das atualizações desse blog atende pelo nome de "The Last of Us", o jogo da Naughty Dog para o PlayStation 3 (que pena que os jogos de videogame não contam com títulos em português - será um purismo da minha parte?). Um assunto desses num blog literário pode parecer estranho, mas se você me acompanha desde o começo já deve estar acostumado. Sempre falei do flerte cada dia mais estreito entre a literatura e o universo dos videogames.

Inclusive, a terceira edição do fanzine tratou do tema com dois grandes textos: um artigo sobre Cormac McCarthy no videogame e uma pequena entrevista com os designers Peter Smith e Charlie Hoey responsáveis por uma adaptação 8 bits de O grande Gatsby. Dali eu chamo atenção para um momento em que eles falam do desejo incontrolável que algumas pessoas da indústria dos games (escritores, críticos e empresários) não escondem de ninguém de que os jogos avancem a ponto de conseguir emular um filme ou livro.

Não sei dizer se no futuro o videogame conseguirá essa façanha porque cada meio narrativo (filme, livro ou jogo) tem as suas especificidades, mas - guardadas as devidas proporções - os jogos trilham esse caminho e parecem próximos de atingir esse objetivo.

"The Last of Us" é um caso a ser avaliado. Os desenvolvedores da Naughty Dog conseguiram a proeza de construir um jogo que nos envolve emocionalmente usando uma história bastante verossímil com personagens autênticas e uma trama cheia de reviravoltas - sem mencionar a riqueza dos detalhes gráficos, a beleza imagens e a qualidade do som. Basicamente, o jogo acontece num futuro não muito distante em que a humanidade é infectada por uma doença causada por um fungo que os transforma numa espécie de zumbis (parece um mundo apocalíptico, mas as cidades dos Estados Unidos servem de cenário com elementos fáceis de reconhecer - o prédio do Capitólio, o skyline de Pittsburgh, as rodovias, o Financial District, os subúrbios, uma universidade etc.). 

Acompanhamos e protagonizamos a história de Joel, um sujeito durão que perdeu a filha de uma forma trágica enquanto tentava fugir da epidemia. Anos depois, ele sobrevive numa zona de quarentena e por obra do destino embarca numa missão de escoltar uma menina especial chamada Ellie até um grupo de pessoas que pode encontrar a cura para a infecção. No percurso muitas coisas vão acontecer - não vou contar mais nada para não estragar a surpresa.

Os dialógos são muito bem sacados (não parecem nem um pouco artificiais), tem humor, tem drama, tem suspense e tem transformação das personagens. As cenas não cortam a ação de modo abrupto e tudo se desenrola com lógica e sutileza. Outro trunfo muito plausível, tal qual a vida real temos de investigar os ambientes em busca de suprimentos para sobreviver (precisamos encontrar armas, aperfeiçoá-las, achar munição - que acaba se você desperdiçar -, 'alimentos', kits médicos e todo o resto). Joel também coleciona manuais que ensinam a montar explosivos, afiar facas etc. Como narradores-protagonistas comandamos três personagens (a filha de Joel, Joel e Ellie) e manipulamos a câmera para ver o ambiente.

Comparando ingenuamente o jogo aos romances, me parece claro que a narrativa não joga com mecanismos mais complexos como lacunas, fluxo de consciência e matizes psicológicos das personagens. Ficamos num nível mais superficial. Também faz falta a materialidade linguística que opera verdadeiros milagres ao contrário das artes visuais que precisam apreender tudo em imagens para fazer o expectador imergir na 'história'.

Seja como for, "The Last of Us" representa um avanço na sonhada aproximação com as artes literária e cinematográfica. Li alguns críticos comentando que esse jogo é tão espetacular que ele até impõe um desafio de ser superado - o que pode demorar muito para acontecer. Vamos acompanhar.

***

Em tempo... 

Mais cedo comentei a Copa de Literatura Brasileira e enquanto escrevia sobre "The Last of Us" me lembrei de um papo recorrente que associa a Copa ao fato de sermos tão fissurados por videogames que criamos um combate literário - como se a literatura pudesse servir para tal finalidade: um contra o outro tendo por objetivo a vitória. Acho prudente dizer que nem todos os participantes da Copa são assim tão ligados em videogame e todos reconhecem logo na largada a dificuldade que é comparar dois livros pela natureza singular e subjetiva de cada obra e gosto (estou falando de uma impressão muito particular, pois não conheço todo mundo da Copa pessoalmente). O intuíto da Copa, como está descrito no site, é promover o debate em torno da ficção brasileira contemporânea expondo as justificativas dos jurados e as falhas no processo de escolher ("premiar"?) o "melhor". Portanto, senhores, aviso que a ocorrência de um texto sobre videogames e literatura ao lado de um outro texto sobre a Copa é mera coincidência. E tenho dito!

Daqui a pouco eu volto com mais... LITERATURA.

*Imagem: reprodução
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