quarta-feira, 20 de junho de 2012

COMO FINGIR QUE VOCÊ LEU JAMES JOYCE

Se estivesse vivo, James Joyce,um dos escritores mais enaltecidos e influentes do século 20, teria completado em fevereiro 130 anos. Joyce é um daqueles autores que causam culpa. Você sabe que você deveria ter lido pelo menos uma de suas obras importantes, mas as coisas – a vida, os romancistas contemporâneos, a dificuldade de sua prosa – vão ficando no caminho. Então você deixa de lado e sempre que seu nome reaparece você tem de admitir que nunca leu ou apenas acena com a cabeça tendo um olhar vidrado na cara esperando que ninguém questione você. Entendemos como você se sente e para ajudá-lo num dia certamente preenchido com conversas nos cafés centradas em Joyce (imaginamos), reunimos um guia prático para fingir que você leu grandes obras do autor. Leia até ficar escolado e prepare-se para arrasar no seu próximo evento literário.



Dublinenses (1914)

O que você precisa saber: primeira livro em prosa publicado por Joyce. É uma coleção de 15 contos que retrata a vida da classe média irlandesa em Dublin, no início do século 20. As histórias são todas muito naturalistas, as cenas habilmente descritas, com muita atenção dada à geografia da cidade. As histórias são dispostos em uma trajetória solta que vão dos contos sobre a infância aos contos sobre a juventude, culminando na mais famosa história de Joyce, Os mortos.

O que falar: você sempre pode falar sobre o amor de Joyce pela epifania como artifício literário – em cada uma dessas histórias, as personagens são construídas para um supremo, mas muitas vezes doloroso momento de compreensão ou consciência que muda a forma como elas vêem a si mesmas ou seu mundo. Por exemplo, em Os mortos, quando Gretta ouve a música que a leva a uma saudade de seu amor de infância, Michael Furey. Sua pequena epifania desencadeia uma epifania ainda maior em seu marido, Gabriel. Ele basicamente se senta e pensa na sua esposa, na morte, no amor, nele mesmo, no isolamento e toda sorte de coisas pelo restante da história. Depois, você pode fazer a transição compartilhando algumas de suas próprias epifanias pessoais com os seus impressionados parceiros de conversa, que provavelmente vão fazer a mesma coisa.

Retrato do artista quando jovem (1916)

O que você precisa saber: Retrato do artista quando jovem é um romance semi-autobiográfico que exemplifica um “Künstlerroman” – isto é, uma história sobre o crescimento de um artista à maturidade. Tem Stephen Dedalus, que vai surgir mais tarde, em Ulysses, como um substituto tanto para Joyce quanto para o artesão mais astuto da mitologia grega, Dédalo, quando ele começa a se rebelar contra o país e a religião que sempre conheceu e, finalmente, parte para prosseguir a sua vida como artista. De longe, o "mais fácil" dos romances de Joyce, a complexidade da linguagem aumenta à medida que Dedalus cresce, mas nunca se torna tão selvagem quanto a maneira como Joyce vai adentrar em obras futuras.

O que falar: esse romance é famoso pela seu uso de fluxo de consciência, que permite ao leitor experimentar a maturação da mente de Dedalus, juntamente com o personagem, que é algo que você pode falar enquanto assente balançando a cabeça apreciativamente. Você também pode usar o texto como um ponto de partida para falar se os artistas são mais suscetíveis a serem figuras solitárias ou comunitários – no final do livro, Dedalus entra em reclusão para trabalhar com sua arte, virando as costas para tudo o que sabe, mas em alguns aspectos o faz a fim de promover a própria voz e consciência do mundo que ele está deixando. Discuta!


Ulysses (1922)

O que você precisa saber: este é o maior – afinal, ninguém realmente espera que você tenha lido Finnegans Wake. Baseado na Odisséia, de Homero, este romance é a figura chave do movimento modernista e uma meditação em constante mudança sobre a consciência humana. Nele, Joyce usa quase todas as técnicas literárias de seu arsenal – fluxo de consciência, prosa experimental, gemidos dignos de trocadilhos – relacionados a uma narrativa relativamente simples: dois homens, o publicitário judeu Leopold Bloom e o aspirante a escritor Stephen Dedalus (que nós já conhecemos antes), vagando em Dublin por um dia (16 de junho de 1904, para ser mais preciso), participando de várias atividades mundanas. O romance tem 18 capítulos, cada um relacionado a uma hora do dia, começando por volta de 8:00 e terminando após duas horas da manhã seguinte e cada capítulo tem um estilo literário diferente.

O que falar: Joyce uma vez disse que esse romance iria alcançar a imortalidade, porque ele tinha colocado "tantos enigmas e quebra-cabeças que o livro manterá os professores ocupados durante séculos discutindo sobre o que eu quis dizer", por isso, se você for rápido com os pés você pode pular fora e ver o que os outros livros tem. Se não, todo mundo adora uma boa piada sobre masturbação e a cena de masturbação em Ulysses é um excepcionalmente eloquente - Bloom observa Gerty McDowell fazendo poses sensuais na praia (o que pode ou não ser parcialmente sua imaginação) e seu clímax ecoa em literais fogos de artifício. Há muito "O!". Você também pode expressar o seu entusiasmo em relação ao próximo Bloomsday (só porque tira a atenção real do romance que você está discutindo). Acontece todo 16 de junho. Como no romance, entendeu?


Finnegans Wake / Finnicius Revem (1939)

O que você precisa saber: este texto notoriamente obscuro e difícil é uma confusão de sonho, a contrapartida noturna para o dia de Ulysses. Joyce chamou o trabalho, seu último antes de morrer, de um "experimento de interpretação ‘da noite escura da alma’", e ele é preenchido com estrutura e linguagem altamente experimental. Incluindo as palavras que apenas soam como as palavras que ele quer dizer, absurdos e trocadilhos multilíngues.

O que falar: é difícil falar desse livro até mesmo para as pessoas que realmente o leram. Dito isto, você não precisa ter lido muito para ser capaz de dizer alguma coisa – uma vez que o livro é cíclico, começando no meio de uma frase e terminando no meio da mesma frase. Você pode mergulhar nele e sair sem realmente perder muito. Não há uma coerência real no enredo e as coisas vão em forma de sonho meio-compreendidas, por isso sugerimos abrir o livro aleatoriamente e escolher uma frase favorita para memorizar e repetir – nós gostamos desta: “But all they are all there scraping along to sneeze out a likelihood that will solve and salve life’s robulous rebus…” Confie, todo mundo vai ficar impressionado.

Este texto foi publicada originalmente no blog Flavorwire em 2 de fevereiro de 2012. Reprodução e tradução para o português com permissão do blog.

*Imagem: divulgação.
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4 comentários:

  1. Alguma edição recomendada de Retrato do artista quando jovem?

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    1. Tem duas edições bem recomendadas: da Alfaguara, com tradução da Bernardina da Silveira Pinheiro - mas acho que está esgotada e só deve ter em sebo - e tem essa da Best Bolso com tradução do José Geraldo Vieira que não é muito cara.

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  2. Sensacional! Vocês são ótimos!
    Abraços!
    Carlos Eduardo Bacellar

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  3. Adorei! Embora, um dia, pretenda ler mesmo...

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