segunda-feira, 29 de outubro de 2012

TATUAGEM E LITERATURA

Você já deve ter percebido que de uns tempos para cá aumentou consideravelmente o número de pessoas com tatuagens espalhadas pelo corpo. Antigamente, a prática era alvo de certo preconceito e pertencia a determinados grupos sociais alternativos - as coitadinhas também ficavam em partes escondidas do corpo ou eram cobertas por camisas longas, blusas, cabelos compridos etc. Felizmente tudo mudou, qualquer pessoa pode fazer uma tatuagem e mostrar para todo mundo sem ter de enfrentar olhares de reprovação.

E você deve estar pensando "o que isso tem a ver com literatura"? Eu respondo: tudo. Tem gente tão apaixonada por um romance, um poema e até uma capa de livro que precisa tatuar aquilo no corpo. Além do significado do texto (ou do desenho) propriamente dito, existe a beleza do resultado estético.

A maior prova dessa tendência de tatuagens literárias são a série comemorativa da Penguin que tinha seis capas de livros desenhadas por grandes tatuadores (a série chama Penguin Ink) e o livro The Word Made Flesh, da Eva Talmadge e Justin Taylor que contou com a colaboração de várias pessoas enviando fotos de suas tatuagens. 

Pegando carona nessa ideia, eu e minha amiga Tatiana Mello (que sabe muita coisa sobre tatuagem) procuramos pessoas aqui no Brasil que tinham tatuagens literárias e pedimos fotos. O resultado está logo abaixo.

Aproveito a oportunidade para fazer uma convocação: mande uma foto da sua tatuagem literária pelo e-mail (no lado esquerdo do blog). Vale citação do seu escrito preferido, trecho de romance, verso, desenho de capa ou ilustração. Não se esqueça de dizer o nome do tatuador, uma transcrição do texto e o livro de onde você retirou. Se for ilustração, por favor, diga o nome do artista em que o desenho foi baseado. Sinta-se livre, caso queira contar a história da tatuagem para você.



"I am the master of my fate: I am the captain of my soul". Poema Invictus, de William Ernest Henley Tatuador: Marcel Oliveira - facebook.com/MARCELSAMTATTOO Crédito foto: Tatiana Mello



Tatuagem da Melissa Castagnari - "A redução do universo a uma única criatura, a dilatação de um único ser até deus, eis o amor". Trecho de Os miseráveis, de Victor Hugo. Tatuador Eduardo - West Ink http://westinktattoo.blogspot.com.br Crédito foto: arquivo pessoal



Tatuagem do Raul Risso - "Learn to live, rest when you die. What you need is within you". Trecho de Clube da luta, de Chuck Palahniuk. Tatuador: Ricardo Colombera 
https://www.facebook.com/Zombie-Tattoo-Art Crédito da foto: arquivo pessoal


Tatuagem da Tábata Couto - "Wear your heart on the top of your skin". Trecho de The Fifteen-Dollar Eagle, de Sylvia Plath. Tatuador Igor - navetattoo.com.br Crédito foto: Carlos Pêra

Tatuagem da Milena Sanches - "Sê inteiro". Da ode Para ser grande, sê inteiro: nadade Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa). Crédito da foto: arquivo pessoal

Se você tem uma tatuagem literária, manda uma foto que eu publico aqui no blog.
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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

UMA LONGA TEMPORADA DE PRÊMIOS


"Ao vencedor, as batatas". Quincas Borba, de Machado de Assis.
Todos devem estar malucos, afinal prêmios literários estão rendendo mais discussões do que religião, política e futebol juntos! A polêmica mais recente está acontecendo em torno do Prêmio Jabuti e a nota baixa do misterioso jurado "C" (na verdade, a identidade secreta dele foi revelada nessa semana numa reportagem da Folha de SP) que tirou Ana Maria Machado da competição. Como uma coisa puxa a outra, todo mundo relembrou o episódio do ano passado envolvendo Chico Buarque e Edney Silvestre. Pelo jeito a reformulação das regras não surtiu o efeito esperado e complicou ainda mais a premiação. Nem preciso dizer que o caso está estragando o prestígio e a reputação de um prêmio tradicional das letras nacionais. 

Teve até comentário de José Serra, candidato a Prefeitura de SP. Ao saber que o livro A privataria tucana estava na final do prêmio Jabuti – categoria Reportagem - disse: “Era só o que faltava. Depois da aparente fraude de um dos jurados, tudo é possível”.

O pessoal "do contra" está gritando pelas ruas o seguinte bordão: "esse é o país que vai receber a Copa".

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Felizmente, as discussões não estão restritas aos prêmios nacionais. Desde que ganhou o Nobel de Literatura, não tem um dia em que o chinês Mo Yan não abra os jornais e não veja seu nome relacionado a comentários ora elogiosos, ora maldosos. 

Do lado maldoso, teve gente dizendo que a Academia Sueca favoreceu Mo Yan porque um dos jurados do prêmio é tradutor dos seus livros. Liao Yiwu, escritor chinês, acusou o ganhador do Nobel de trabalhar a serviço do regime chinês. O artista Ai Weiwei (que aderiu ao estilo "Gangnam Style") lamentou muito a escolha e as editoras chinesas que estavam na Feira de Frankfurt praticamente ignoraram o laureado. Para piorar a situação Mo Yan virou alvo de uma disputa internacional entre agentes literários o que deve atrasar a tradução de seus romances pelo mundo afora - incluindo o Brasil. Por enquanto podermos recorrer a tradução de Peito grande, ancas largas que saiu pela editora Ulisseia e teve reimpressão.

Do lado elogioso, rolou uma notícia dizendo que a China vive uma verdadeira "Mo-mania" e a tiragem do seu livro Our Jing Ke esgotou instantes após o lançamento. Furor semelhante ao que ocorreu no Japão com Murakami no lançamento de 1Q84.

O pessoal "da teoria da conspiração" está gritando pelas ruas que Mo Yan está sendo vítima da maldição rogada pelos murakamistas japoneses que ficaram desapontados com a vitória do concorrente chinês. Aliás, dizem que a obra Murakami não despertou paixões na China.

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Se palpite ganhasse prêmio, os apostadores da Ladbrokes estariam milionários. Quem colocou dinheiro em Haruki Murakami e Will Self ficou no prejuízo - atitude muito perdoável, afinal acerta em cheio o nome do escritor premiado é como ganhar na MegaSena. Mo Yan ficou com o Nobel e Hilary Mantel com o Booker Prize. Ninguém acreditava que a organização do Booker fosse premiar uma autora já premiada num curto espaço de tempo (Wolf Hall foi publicado em 2009) - acho que nem a própria Mantel acreditava nisso. Antes dela, só Peter Carey e J.M. Coetzee. Por fim, a falsa ideia não se cumpriu e o Booker acabou nas mãos dela.

No discurso de agradecimento, Mantel mandou avisar que está escrevendo mais um livro para compor uma trilogia sobre a história de Thomas Cromwell - o primeiro foi Wolf Hall, seguido por Bring Up The Bodies (será publicado pela editora Record, em abril) e o último será o nome de The Mirror And The Light.

O pessoal da "especulação" está gritando pelas ruas que não importa quando publique o livro, o terceiro Booker Prize é dela.

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Outro mistério que parece distante de qualquer solução é a recusa de Javier Marías ao Prêmio Nacional de Narrativas, concedido pelo governo da Espanha. Pelo que dizem, ele não quis o prêmio no valor de 20 mil porque não quer ligações com instituições do governo espanhol. O que será que aconteceu? Marías ganhou o prêmio pelo romance Os enamoramentos.

O pessoal do "deixa disso" anda dizendo que o gesto é uma resposta política ao delicado momento que a Espanha enfrente diante da crise econômica que assola a Europa.

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E você está enganado se pensa que a polêmica do Jabuti está perto do fim. A lista oficial com o nome dos jurados e os grandes vencedores do prêmio livro do ano serão anunciados numa cerimônia, em 28 de novembro. Caso não apareça nenhuma outra polêmica.

Novembro encerra essa longa temporada de prêmios. Teremos o anúncio do ganhador do Prêmio Cunhambebe de literatura estrangeira e dos ganhadores do Prêmio Portugal Telecom - aliás, achei bacana a iniciativa dos organizadores de criar book trailers para os livros finalistas; se não vale para alavancar as vendas, vale como divulgação do livro e na pior das hipóteses como boa descontração. Aqui tem os book trailers da categoria romance.

*Imagem: reprodução de uma ilustração de D.G.Davis.
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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

VIDA LONGA AO CACHALOTE


"Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer."
Ítalo Calvino

Moby Dick está fazendo aniversário. Até o Google entrou na onda de comemorações com aquela tradicional brincadeira com seu logotipo. Desde setembro, no melhor estilo folhetim, o projeto mobydickbigread.com está criando uma espécie de audiobook na internet com pessoas lendo capítulos do livro que ficam disponíveis no SoundCloud, no iTunes e no Facebook. Contribuíram com a leitura Tilda Swinton, Matthew Barney e David Cameron, entre outros.

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Bendito seja o dia em que uma baleia atacou um barco pesqueiro no meio do oceano Pacífico, em novembro de 1820. Quer dizer, o incidente verídico propriamente dito foi horrível - segundo dizem, o barco afundou e a tripulação ficou à deriva por três meses, tendo de praticar até canibalismo para sobreviver -, mas nos deixou de herança um clássico da literatura universal: Moby Dick, ou a baleia.

A tarefa foi possível graças ao talento do jovem Herman Melville (com 32 anos na época da publicação do romance). Sua experiência de vida contava com uma longa viagem pelo Pacífico, cinco livros publicados, um casamento e a amizade de Nathaniel Hawthorne (renomado autor de A letra escarlate). Tanta maturidade permitiu a Melville enxergar a força simbólica daquele ataque revolto da natureza contra a ação humana e fazê-lo explodir em diversos temas complexos: a hierarquia das classes sociais, a polaridade entre o bem e o mal, as dúvidas sobre a existência de Deus, a obsessão humana etc. 

O romance foi publicado pela primeira vez em três volumes, na Inglaterra em 18 de outubro de 1851. Curiosamente, Moby Dick não fez muito sucesso naquele ano, quase foi esquecido e ficou relegado a um pequeno circulo de leitores em Nova York. Os verdadeiros responsáveis pela revisão do livro foram os críticos e escritores modernistas do começo do século 20 - especialmente Carl Van Doren, D. H. Lawrence e F. O. Matthiessen.

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Desde então, Moby Dick faz parte do imaginário popular e ganhou inúmeras adaptações para teatro, cinema, programas de rádio e TV, além de versões para quadrinhos. A aventura mais recente é Moby-Dick in Pictures: One Drawing for Every Page, de Matt Kish. O cara criou um blog onde publicava um desenho para cada página do romance. A repercussão foi tão grande que acabou virando livro.

Aliás, ele publicou no blog uma compilação com diversos trabalhos artísticos inspirados em Melville e sua obra prima.

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No Brasil, a edição definitiva do romance Moby Dick que foi lançada pela Cosac Naify. Tem tradução primorosa de Alexandre Barbosa de Souza e Irene Hirsch, uma série de notas explicativas, glossário náutico e fortuna crítica.

*Imagem: Moby Dick as Jaws by unknown/reprodução do Spudd64.
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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

BRASIL, PAÍS RICO É PAÍS COM ESCRITORES



Um assunto que está dominando as rodas de conversa nessa manhã é a notícia sobre a futura versão online do New York Times em português. O grupo que comanda o jornal está de olho no "bom" momento econômico do país e na ascensão da nova classe média - segundo uma pesquisa do Ibope NetRatings, o Brasil é o 5º país mais conectado do mundo com 83,4 milhões de usuários na internet (nosso tempo médio de navegação e gastos com compras online só aumentam); tudo isso nos torna um atraente mercado consumidor. A expansão internacional da marca não é novidade já que o jornal também vai ganhar uma versão online em chinês.

Parece que um terço do conteúdo será produzido aqui mesmo - com jornalistas brasileiros -, o restante será traduzido do inglês. Puxando a sardinha para a nossa brasa, resta saber se o suplemento 'Sunday Book Review' vai ganhar tradução na íntegra ou separadamente. Afinal, não seria de todo mau ler as resenhas críticas em português.

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Na semana passada, João Pombeiro, diretor da revista literária LER, esteve no Real Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro para comemorar os 25 anos da revista. Aproveitando a ocasião, João anunciou que a LER vai ganhar uma versão digital a partir de novembro. Facilitando bastante a vida dos leitores brasileiros na hora comprar exemplares.

A edição desse mês tem Rubem Fonseca na capa com perfil assinado por pelos jornalistas brasileiros Tiago Petrik, Malu Porto e João Gabriel Lima.

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O inverso também é verdade. Durante a Feira de Frankfurt, a Fundação Biblioteca Nacional junto com outros patrocinadores lançou o primeiro número da revista Machado de Assis - Literatura Brasileira em tradução. É uma revista voltada para a divulgação da literatura brasileira no exterior. Trechos de livros e contos dos autores selecionados para a edição foram traduzidos para o inglês e espanhol. Entre eles estão Alberto Mussa, Andréa del Fuego, Bernardo Carvalho, Cristovão Tezza, João Paulo Cuenca, Joca Reiners Terron, Luiz Ruffato, Paloma Vidal, Rubens Figueiredo e André de Leones. A revista é digital e conta com um blog que divulga notícias em inglês do nosso mercado literário.

Aliás, acompanhei pelos jornais as notícias da Feira. Pelo visto, editoras do mundo inteiro ficaram bastante entusiasmadas com a nossa literatura. Parece que nesse ano as rodadas de negociações foram bastante lucrativas para as editoras brasileiras. Segundo informações do Estadão, foram negociados algo em torno de "US$ 195 mil, entre venda de livro impressos e de direitos autorais de obras brasileiras".

Agora você imagine no ano que vem, quando seremos o país convidado de honra da Feira?

*Imagem: © Frankfurter Buchmesse / divulgação
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PRÊMIO SP DE LITERATURA - 2012

Capa dos livros premiados
Em setembro, enquanto eu estava fora, a organização do Prêmio SP de Literatura divulgou os vencedores nas categorias autor e autor estreante: o primeiro foi para o livro Vermelho amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós e o segundo foi para Os hungareses, de Suzana Montoro. Por incrível que parece, o júri premiou autores e livros com "jeitões" muito parecidos.

Bartolomeu Campos de Queirós publicou mais de quarenta livros e dedicou-se quase exclusivamente à literatura infanto-juvenil. Apesar da obra extensa, Vermelho amargo foi seu primeiro romance voltado ao público adulto (infelizmente, ele faleceu em 16 de janeiro desse ano). Guardadas as devidas proporções, algo semelhante aconteceu com Suzana Montoro já que ela publicou dois livros infanto-juvenis, antes de lançar o romance Os hungareses. Se não me engano, Suzana também tem um livro de contos chamado Exilados que saiu pela WS Editor, em 2003, e está fora de catálogo.

Os enredos também se parecem porque abordam a trajetória de duas famílias e as dificuldades que cada uma delas enfrenta a sua maneira. No romance de Bartolomeu, o narrador fica concentrado nas mazelas surgidas no núcleo familiar após a insuperável perda da mãe. Já o romance de Suzana Montoro conta a saga de uma família húngara para sobreviver à guerra e recomeçar a vida num país completamente diferente (detalhe: ela não é e não tem descendência hungara, mas entrevistou muitos imigrantes daquele país e visitou as cidades em que eles viveram).

Dá para ler os dois livros rapidinho: Vermelho amargo tem 72 páginas e Os hungareses tem 192 páginas. Você vai levar no máximo dois dias para ler cada um deles no trajeto de ida e volta do trabalho usando metrô, por exemplo.

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Em tempo, desculpem a longa ausência. Resolvi esticar as férias por mais duas semanas e  esqueci de deixar um recado. Seja como for, quero avisar que estou recuperando a forma antiga.

*Imagem: divulgação.
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